Ninguém conta ao certo quando aconteceu. Apenas
ficaram sabendo do acontecido. A casa foi visitada pelo Encardido. Lá dentro
ele fez estripulias. Muitas estripulias que nem todas foram contadas. Não uma
vez só, muitas vezes. Pegou costume e foi vindo quando bem queria, conforme lhe
dava na cabeça e não havia quem molestasse o cujo.
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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...
quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
terça-feira, 11 de dezembro de 2018
Crônica - BG e Mixto
O trem que trazia bagagem tinha o prefixo BG;
transporte de cargas e encomendas, de mercadorias em geral. E de correio, que chegava
cedo. De madrugada, o Seu Dito Correiero já estava na estação, esperando, de
bicicleta. Tinha só um vagão de passageiros, o último da composição: metade
primeira classe, com bancos estofados e revestidos de couro vermelho, metade
segunda classe, com bancos de madeira escura. Bancos diferentes na cor, mas
idênticos na rigidez; ambos davam dores nas costas.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2018
Crônica - Histórias do Vô Zé Pedro
Um dia ele apareceu com a calva escalavrada, um sulco
vistoso desde a testa até o alto da cabeça. Então ele tirou as botinas, esticou
os pés para perto da boca do fogão de lenha; macetou um Melhoral, dos que
sempre trazia no bolso da camisa, e tomou com um chá, feito pela filha, com água
quente e açúcar. E contou mais uma das suas aventuras: seguia ele, tranquilo e
displicente, sobre a mulinha, num desvio de terra batida da Fonseca em que não passava há tempos. À frente, uma árvore, um galho rebaixado. Olhou bem, achava
que dava para passar. Calculou errado, não deu. Bem que ainda tentou evitar a
topada, mas a mulinha, espantada com o movimento brusco que ele fez para se
abaixar, apertou o passo e o galho ralou a cabeça dele mais forte ainda. Quase
caiu. Equilibrou-se a custo, mas teve que voltar para pegar o chapéu.
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Crônica - Segredos da terra
Nos finais de tarde, refrescando do calor intenso, sentávamos
ao pé do Matão, nos fundos do quintal de casa. Tenho poucas lembranças da
época, quase nenhuma; era o catatau do grupo e nem sempre estava junto. O
terreno do pai estava no alinhamento da divisa entre a cidade e o Matão
propriamente dito: uma cerca de arame farpado, três fios brilhantes e
recentemente esticados, nos separavam de uma grande mata virgem, nativa, restos
da original mata atlântica que cobria a região.
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
Crônica - Parquet, parquetina
O chão da nossa casa brilhava. Dava
gosto olhar o reflexo que vinha da porta da rua. Parecia espelho. Era de um
vermelho vivo. Cimento queimado e alisado com vermelhão, trabalho artístico de
pedreiro das velhas cepas.
quarta-feira, 31 de outubro de 2018
Crônica - O advogado cego
Trabalhei durante muitos anos da Justiça Federal, em
São Paulo. A sua sede ainda ficava na Praça da República. Atendia balcão e
fazia serviços de datilografia.
Crônica - Nas barrancas do Itaim
Excelentes
papos com minha cunhada Lúcia, professora de mão cheia, sempre acompanhados de
uma salineira amarelinha. Contação de história. Viagens no tempo, lembranças
várias. Lembranças do Rio Itaim, que corre desde Cambuí, desliza pela Boa
Vista, passa por trás do Algodão e acaba no Rio Sapucaí Mirim, beirando a
Fernão Dias. Daí para baixo, suas águas passam pelo Careaçu e ajudam a
encher a Represa de Furnas. Depois, viajam até o Rio Paraná e banham, muito lá
longe, Montevideo e Buenos Aires. Por fim, se perdem no Atlântico.
quarta-feira, 3 de outubro de 2018
Crônica - A testemunha e a inspeção judicial
Foi com surpresa que vimos passar, pelos corredores do
fórum, um séquito inusitado: juiz, oficial de justiça, escrevente, advogados,
partes e testemunhas. O juiz vinha à frente: baixinho, com óculos de hastes e
aros grossos, vestindo um elegante e bem cortado terno azul marinho, sorrindo
como sempre. Era um cidadão simpático, muito querido no fórum. Gostava de se
reunir com os servidores, à noite, para um churrasco. Invariavelmente, tomava
umas cachaças; as amarelinhas, da terra e envelhecidas no carvalho, eram as de
sua preferência. Recatado e cioso do cargo, jamais bebia em público e nem se
embriagava; mas gostava da dita cuja.
sábado, 29 de setembro de 2018
Crônica - Céu de Saigon
Emílio Santiago morreu cedo demais; ainda tinha muita
música bonita para cantar. Quando em vida, não prestei muita atenção ao seu
trabalho; depois de morto, aprendi a gostar do seu jeito todo próprio de
interpretar, dando cara nova para músicas já consagradas. Tinha vozeirão bonito
e afinado. Creio que ele estava particularmente inspirado quando gravou Saigon,
de Cláudio Cartier e Paulo César Feital; foi a música que consagrou esse grande
artista. Toca Saigon!
Sobre o Blog
Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas
crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são
partes da minha infância, ora da adolescência. Por vezes, retratam a minha
mocidade e o começo da velhice. São fragmentos marcantes, gravados no que ainda
resta da memória.
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