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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Crônica - Turma XXXIX

 

Eis que sábado, agora, fui deveras surpreendido: meus alunos do 10º Período Noturno, que ora colam grau, vieram até a minha casa para uma emocionante homenagem. Com festa, faixas e cartazes, me entregaram uma cesta com guloseimas para o café da tarde e uma garrafa de vinho, com rótulo personalizado. Inesquecível homenagem, certamente não merecida.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Crônica - Tambu e candombe

 

Atravessei a Serra do Cipó, nas imediações de Belo Horizonte, apenas uma vez, rapidamente e sem parar; é uma serra alongada, de formato diferente das que conheço. A vegetação é rasteira e permite que, do alto, se enxergue longe; no trecho em que passei, é pouco ou quase nada habitada. Imagino que, nas noites mais escuras, seja possível descortinar um belo céu estrelado – quem sabe?

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Crônica - Vilmar Kalunga

 

Estivemos na Comunidade Quilombo do Kalunga em duas ocasiões; foi onde comi o melhor frango ensopado, feito vagarosamente no fogão de lenha da casa do Seu Cirilo e cheirando a coentro fresco. Nos servimos diretamente do fogão: casa simples, piso de terra batida e bem cuidada. Um vez, com a Ber, Santino e Lurdes, em Janeiro de 2011; na segunda vez, com a Ber e o nosso querido Raul, em Dezembro de 2014.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Crônica - Palhaços

Na voz de Teixeirinha (O Mundo do Circo): Hoje tem marmelada? Tem sim Senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim Senhor! E o Palhaço o que é? É ladrão de mulher! Na voz de Zé Kéti (Máscara Negra): Tanto riso, tanta alegria, mais de mil palhaços no salão, Arlequim está chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão.

sábado, 17 de outubro de 2020

Crônica - Muros

 

Muros não fizeram parte da minha infância; me lembro do nosso quintal quase todo cercado com três fios de arame. Num ou noutro trecho havia bambus entrelaçados; às vezes, de espaço em espaço, algumas ripas. Era o que dava para ter.

Seu Luís foi um dos nossos vizinhos, durante muitos anos. Entre o nosso terreno e o dele sobrava uma pequena faixa de terra, sem dono e sem ocupante. Meu pai e o Seu Luís nunca chegaram a um acordo sobre quem seria o proprietário dela; nenhum dos dois se achava dono do pedaço e nem queria para si aquela sobra de terreno.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Crônica - Noturno

 

Monsieur me contava deliciosas histórias nos intervalos entre as aulas, nos muitos anos de nossa convivência. Guardo-as com carinho, tanto quanto guardo as três “cédulas do índio”, de cinco cruzeiros, de 1961, seriadas, e a cópia xerox, em tamanho real, de uma edição do Pravda, regalos da amizade e do respeito mútuos.

sábado, 3 de outubro de 2020

Poesia - Viajante de linhas retas

 


Os viajantes da dupla Leonel Rocha e Campos percorreram uma grande quantidade de cidades paranaenses, em Paraná Querido, enquanto que os viajantes de Caetano foram de Santo Amaro da Purificação a Xerém, numa viagem interestadual. O mesmo Caetano, curioso e deslumbrado, botou-se ele próprio perambulando pelas esquinas concretas da Ipiranga com a São João, no fascinante centro de Sampa.

sábado, 26 de setembro de 2020

Crônica - O Senhor Meirinho

 

Está em Lucas, 12:58: ponha-te em acordo com o teu adversário para que ele não te leve ao juiz, e o juiz te mande ao Meirinho e o Meirinho te meta na prisão. Ah! O Senhor Meirinho, encarregado, desde os tempos bíblicos, de executar as ordens do juiz. Penhorando e arrestando, citando e intimando, prendendo e soltando, incansável até hoje, já agora como Oficial de Justiça.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Crônica - Acaso

 

No final dos anos 1980, descíamos, eu e Ber, pela Rua Augusta. Na boca da noite, depois se do serviço, íamos a pé para casa, na região central de São Paulo, como de costume. Na calçada estreita, distraídos e de mãos dadas, como de costume, a certa altura fomos surpreendidos por um paredão a nossa frente: soltamos as mãos e desviamos de três grandalhões que vinham subindo, em sentido contrário. Olhando para cima, de relance, foi que vimos o lendário Ray Conniff e suas duas filhas, abraçados, sorridentes, elegantemente trajados – e, claro, eles nem sequer perceberam o nosso desvio, nem a minha admiração.

domingo, 30 de agosto de 2020

Poesia - Brincando de fazer soneto

O humanista e poeta Francesco Petrarca é um dos precursores do Renascimento Italiano (1304 – 1374). Petrarca inventou o soneto que, em apertado resumo, é um poema com 14 versos decassílabos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos; as rimas nos quartetos podem ser alternadas (ABAB – ABAB) ou opostas (ABBA – ABBA), enquanto que nos tercetos elas se apresentam alternadas (CDC – DCD) ou com outras variações (CDE – CDE, por exemplo).

domingo, 26 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Epílogo. Os finalmentes dessa história


Os finalmentes dessa história

O capataz foi transferido para a estância, onde respondeu processo pelo crime do casarão. Foi condenado e cumpriu uma longa pena de prisão.
Vez ou outra eu o visitei na cadeia; naquelas ocasiões eu percebia que ele não dava mostras de arrependimento; contudo, estava sempre triste, falava pouco e tinha o rosto vincado pela decepção. Talvez não pela prisão, mas pelas amarguras que acabou experimentando na vida. Deve ser isso, imagino.

sábado, 25 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 18. Detalhes do crime

Detalhes do crime

Quando o patrão lhe dava instruções de como simular o arrombamento da porta, o capataz, em gestos ágeis, desferiu as três facadas. A vítima ainda tentou enfrentá-lo, debatendo-se, mas a surpresa foi fator preponderante para o sucesso da empreitada; o Coronel não pode resistir aos golpes, que foram fatais.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 17. Confissões à beira do Rio Vermelho


Confissões à beira do Rio Vermelho

Tenho um gosto particular pelas cidades histórias brasileiras. Serro Frio, Diamantina, Tiradentes, enfim, de todas guardo excelentes lembranças. E o que dizer da aprazível e ensolarada Goyás Velho? Terra de antigas minerações, explorada depois que os diamantes se esgotaram nas minas gerais, é cercada por uma belíssima serra; ao entardecer, o sol lhe deita uma cor dourada, brilhante, encantadora.
Guardo boas recordações da cidade, com as construções seculares ainda bem preservadas pelo Patrimônio Histórico; ruas, largas, e cobertas com enormes pedras brutas e irregulares, que fazem o sofrimento dos caminhantes inexperientes.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 16. O golpe das esmeraldas em Goiás


O golpe das esmeraldas em Goiás

No começo do ano de 1977, uma notícia caiu como uma verdadeira bomba na cidade: nossos dois jornais repetiram a mesmíssima manchete, em edição extraordinária:

CAPATAZ É PRESO EM GOYÁS VELHO
Saiba tudo sobre o golpe das esmeraldas

O texto, também idêntico nos dois jornais, dizia:

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 15. O júri absolve o caseiro


O júri absolve o caseiro

O caso esfriou com o passar do tempo. Guilherme esteve no norte da Europa, em 1972, a passeio. Desgostoso com os seus fazeres, aproveitou uns meses acumulados de licença-prêmio e as economias de uma vida toda para empreender a viagem.
Realizou o sonho que acalentava desde a juventude: conhecer uma capital europeia, de noites brancas, em que o sol praticamente não se põe. Mesmo como turista, não deixou de usar seus dotes profissionais para se imiscuir, mesmo sem ser convidado oficialmente, numa sigilosa investigação internacional que envolvia gente graúda do mundo enxadrístico, na cidade de Reikjavík. Nunca me deu maiores detalhes do papel que desempenhou naquela ocasião; o que sei é um norte-americano, desafiante do título mundial de xadrez, esteve sob ameaça de agentes da polícia secreta da União Soviética. Assustado, o enxadrista norte-americano desapareceu misteriosamente da capital islandesa, colocando em risco a realização do match mais esperado de todos os tempos. Ao que parece, os soviéticos não aceitariam de bom grado a entrega do cetro, que detinham por cinquenta anos, aos americanos.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 14. A camareira aparece de barriga

A camareira aparece de barriga

O Dr. Alberto Dias fez conforme prometido e ordenou a prisão do caseiro. Pego de surpresa quando estava chegando da fazenda, na noite de domingo, ele esboçou apenas uma frágil reação, insuficiente para evitar que fosse conduzido para a cadeia.
O juiz criminal, a quem coube a análise do pedido de prisão, expediu o mandado no final da tarde de segunda-feira, já sabendo que o caseiro já estava recolhido desde a noite anterior. Ao que consta, assim procedeu graças à promessa que o delegado lhe fez de encerrar imediatamente o inquérito, justificando a medida tomada.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 13. A prisão do caseiro

A repentina prisão do caseiro

No domingo seguinte ao do assassinato, passada a missa de sétimo dia rezada em intenção da alma do Coronel, o seu filho estava fazendo uma faxina no quarto do pai quando se deparou uma camisa xadrez, verde e amarela, totalmente manchada de sangue.
A inesperada aparição desta peça, que poderia mudar os rumos da investigação, levou a um desfecho mais inesperado ainda: a abrupta prisão do caseiro.
Almoçávamos em minha casa quando minha mulher, ouvindo batidas na porta da frente, recebeu um dos meninos de recado, o Bruninho. Tal como de costume, o pequeno mensageiro ia disparando um discurso dirigido ao Guilherme:
- Tenho a subida honra, meu dileto mestre Guilherme, arguto investigador, único nestas inebriantes paragens que, com seus olhos atentos e faro de perdigueiro, a tudo elucida com perspicácia...

domingo, 19 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 12. Fantasmas rondam a cidade


Fantasmas rondam a cidade

Na quarta-feira, Dr. Alberto Dias cobrava uma solução para o caso; dizia que tinha que prestar contas ao Governador:
- O assessor dele já me ligou duas vezes. Ele quer a prisão do assassino o mais breve possível; e eu já nem sei mais o que responder. Temos pressa nisso.
Contamos tudo o que sabíamos; ele que aguardasse, então, outras novidades.
Mas a autoridade não dava ouvidos ao Guilherme; falava, inclusive, que já tinha elementos suficientes para fechar o relatório; contrariado com os veementes protestos do meu amigo, o delegado ficou de cara fechada.

sábado, 18 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 11. O romance entre a camareira e o capataz


O romance entre a camareira e o capataz

Na terça, a frustração já prevista de véspera foi confirmada: o depoimento da camareira, tomado no casarão em virtude de sua saúde visivelmente precária, nada acrescentou. Ela foi ouvida de manhã, bem cedo; de olheiras profundas e tez pálida, confirmou o que ouvíramos na Estação da Mogyana: o capataz viajou praticamente com a roupa do corpo, a não ser uma camisa e roupas de baixo para uma ou duas trocas, nada mais que isso.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 10. No Morro do Vai e Volta, de novo

No morro do Vai e Volta, de novo

No começo da tarde de segunda-feira, antes dos depoimentos, Guilherme e eu trocamos algumas ideias sobre o caso. Refletimos sobre alguns fatos, que exigiam respostas: o assassinato foi cometido pela mesma pessoa que roubou as esmeraldas? Além do filho do Coronel, será que alguém mais da casa sabia dessas gemas? Onde estaria a faca usada no crime?

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 9. Checando álibis

Checando álibis

A segunda-feira de manhã foi tirada para a confirmação dos álibis e das informações obtidas no dia anterior; a chuva ainda continuava a cair, embora mais fina; não tínhamos como dispensar botas e guarda-chuvas. A neblina amanheceu cerrada, o vento constante e muito gelado obrigava o uso de blusas grossas. Normalmente essas intempéries permanecem durante muitos dias seguidos, são características das Águas Virtuosas.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 8. Ouvindo o filho do Coronel


Ouvindo o filho do Coronel

Duas descobertas eram dignas de nota: primeiro, as idas e vindas do capataz, incluindo uma viagem aparentemente fora das rotinas; depois, a inusitada e absolutamente desnecessária evacuação da casa, sob o comando do caseiro. E duas questões consumiriam nossas energias dali por diante em primeiro lugar, de quem veio a ordem para que todos saíssem da casa? E qual o motivo para a mudança nas rotinas do capataz?

domingo, 12 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 7. Algumas revelações intrigantes

Algumas revelações intrigantes

A cozinheira, mulher obesa e espadaúda, de altura mediana, tinha no frango ao molho pardo o carro chefe dos variados pratos que preparava com inigualável habilidade; ela mesma matava a ave, colhia o sangue e depois dava um toque final com o coentro fresco e viçoso que cultivava nos fundos do quintal. O arroz branco e soltinho era um acompanhamento perfeito, para alegria da mesa. Lá estava ela, preocupada com a comida que borbulhava no fogão a lenha, sem dizer palavra, embora visivelmente emocionada.

sábado, 11 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 6. Na cena do crime


Na cena do crime

Foi com apreensão e insegurança que o delegado foi logo dizendo:
- A morte me foi anunciada pelas onze horas, por telefone: um empregado, o caseiro, encontrou o patrão caído ao pé da cama, mas quem me telefonou foi o filho, Assis Júnior. Antes de vir para cá, mandei-lhe o bilhete. O sangue escorrido no peito e ainda não de todo seco pode ser visto lá na parte de cima do sobrado, onde o corpo está. Tem um relógio despertador caído no chão, quebrado. Vamos lá?

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 5. No casarão do Conde Prates

No casarão do Conde Prates

O casarão foi construído, no final do Império, pelo Conde Prates, conhecido capitalista que fez fortuna como banqueiro e investiu bom dinheiro nas ferrovias brasileiras; muito usufruiu do casarão durante os costumeiros passeios que fazia pelas Águas Virtuosas. Mais tarde, o imóvel foi adquirido pelos pais do Coronel Assis, já então prósperos fazendeiros.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 4. A austeridade de um Coronel de boa vida

A austeridade de um Coronel de boa vida

O Coronel Assis, posto que pessoa de hábitos reservados no seu dia a dia, não deixava passar oportunidades para gozar os sabores da vida mundana, tomando algumas cautelas para não ser pego em seus deslizes. Procurava ao menos manter as aparências perante a sociedade; seus filhos, de outro lado, sabiam de seus passos incertos, embora nada comentassem sobre isso. Foi por essa razão estratégica que o Coronel escolheu o casarão para fixar residência. O mesmo casarão, hoje quase desmoronando, que foi do Conde Prates, com seus aproximados trinta cômodos mal contados, alguns sem luz externa, distribuídos em dois andares de construção sólida pintada de amarelo.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 3. A simplicidade de um investigador

A simplicidade de um investigador

O meu amigo Guilherme Holders, eu tenho que dizer, era sempre, dentre os investigadores da polícia local, o primeiro a ser lembrado em ocasiões mais graves; meticuloso no trato dos casos mais difíceis na Polícia Civil, raramente deixava algo pendente de solução – antes, pelo contrário, angariou fama entre os seus pares por colocar atrás das grades até os mesmo os mais hábeis criminosos, homicidas ou simples punguistas, aqueles que, por planejarem friamente seus atos, poucos rastros deixam para trás.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 2. No Morro do Vai e Volta

No Morro do Vai e Volta

Morro do Vai e Volta, Estrada do Vai e Volta, Córrego do Vai e Volta. Ninguém sabe dizer com exatidão sobre a origem do nome, mas é isso mesmo: o morro em que se encrava a minha casa chama-se Morro do Vai e Volta, justamente ao fim da estrada que tem esse mesmo nome. Beirando o córrego do mesmo nome.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado, Capítulo 1. Águas Virtuosas


REVERSO INCLINADO


Dedicação
A Bernadete Pereira de Almeida, companheira de uma longa e feliz caminhada; a meu filho Raul Pereira Frezza, lindo presente que Bernadete me deu; a minha mãe, Olga Basso Frezza, cujo sorriso sempre me alegra.
Aos pesquisadores Gaspar Eduardo de Paiva Pereira, Luiz Roberto Judice, Rubens Caruso Júnior e Jurandir Ferreira, dentre tantos outros que preservam e divulgam nossa história.

domingo, 28 de junho de 2020

Crônica - MiNas

Era uma época de muita efervescência; era no final dos anos 1970. De repente, alguém entrava em sala de aula e avisava: todo mundo para o TUCA, que vem gente boa para cantar. Pronto! A aula estava acabada. Corríamos para o superlotado teatro para ver e ouvir os craques da música popular. E não sem uma boa dose de apreensão e suspense, em meio à censura e às truculências da ditadura militar que então sufocava. O ambiente universitário era palco das manifestações artísticas para arrecadar fundos para a Campanha em prol da Anistia que, enfim, veio em Agosto de 1979.

sábado, 13 de junho de 2020

Crônica - Manoel

O teólogo e filósofo Immanuel Kant nasceu e morreu em Königsberg, na antiga Prússia. Nunca saiu de sua cidade natal; vivia no mundo das ideias, da metafísica. Era pura crítica. Criticava tudo, com razão. Erudito ao extremo, iluminou a filosofia moderna. Era metódico nos seus estudos e também nos afazeres cotidianos; adotava rotinas rigorosas para tudo: dormia e acordava, lia e estudava, escrevia e lecionava, sempre nos mesmos horários. Passeava pelos mesmos lugares dos dias anteriores, nos exatos horários dos dias anteriores.

domingo, 31 de maio de 2020

Crônica - E o Oscar vai para ...

Não vi a seleção húngara de futebol, de 1958, jogar. Dizem que era uma excelente esquadra, que merecia o título mundial; entretanto, Puskas e seus companheiros foram inesperadamente derrotados pelos alemães; a poderosa equipe húngara amargou o segundo lugar na competição, para espanto de todos.

sábado, 9 de maio de 2020

Crônica - Os meninos da Rua Paulo


Perdoem-me por voltar ao tema: Nemecseck é um personagem marcante; está entre os meus preferidos, dentre os memoráveis personagens da literatura mundial.  Menino pobre e franzino, morava na Rua Paulo, num bairro da periferia de Budapeste. Pertencia à Sociedade do Betume, composta por um grupo de crianças que defendia, no braço, o seu espaço perante os rivais. Ferenc Molnár imortalizou as históricas que poderiam ser vividas por qualquer menino, em qualquer lugar do mundo. Um livro que fica na memória, na tradução de Paulo Rónai e prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. Guardo com muito gosto; leio e releio uma edição de folhas soltas e já desgastadas pelo tempo.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Crônica - Comendo livros

Alguns guardam, com orgulho, a cartilha Caminho Suave, que alfabetizou diversas gerações. Eu perdi a minha, de um modo inusitado. Um vizinho, que voltava da escola, parou na rua da minha casa: para fazer graça, tirei dele um livro ao acaso e dei para uma cabrita, que criavam no quintal da esquina. Ávida por qualquer coisa mastigável, a dita caprina estraçalhou justamente a Caminho Suave do menino. A estupidez me rendeu alguns puxões de orelhas e a perda da minha própria cartilha, que minha mãe me fez dar em troca do que restou daquelas páginas cheias de baba que jaziam por todos os lados.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Poesia - Poesias emprestadas

Não sabendo fazer poesia, pedi algumas, de empréstimo, para quem sabe da arte. Foi assim que meus amigos e poetas Clarice Villac, Marilene Duarte, Maurício Baptista Vieira, Santino Frezza e Tadeu Rodrigues, gentilmente, permitiram a postagem de hoje.

domingo, 12 de abril de 2020

Conto - Uma partida dos diabos

Fui mordomo, por muitos anos, de uma família abastada. Pai, mãe e filho único moravam num castelinho, num alto de montanha, lugar afastado da cidade. O filho sempre foi excêntrico, de hábitos soturnos e estranhos, razão pela qual, aliás, fui contratado. A ele eu devotava meus cuidados; fui contratado basicamente para cuidar dele, em tempo integral. Louis, esse era o seu nome, pouco me notava; nada me exigia de extraordinário.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Crônica - São Paulo vazia

Acalentei um sonho: queria ser hippie e me mudar para São Paulo, morar nas ruas e vender artesanatos na Praça da República. Dali eu sairia pelo mundo, caminhando para onde desse e com quem fosse. Queria ser um pé na estrada, um sem destino; não queria nem lenço e nem documento.

domingo, 29 de março de 2020

Crônica - Pião, piorra

Quando eu era mocinho, gostava dos bailes de carnaval do CSEC, o clube social da minha cidade. Era dos primeiros a chegar ao salão e ficava até alta madrugada, quando tudo então silenciava. Tinha uma energia danada, pulava a noite inteira, cantava, brincava com os amigos – cidade pequena, todos eram amigos.

domingo, 22 de março de 2020

Conto - Em branco e preto, 4a. parte

Passei muitas dificuldades. Sou descendente de escravos e nunca tive muitas oportunidades na vida. Meu pai, que trabalhava em uma quinta, me colocou num Seminário, onde me fiz Diácono. Hoje, felizmente, levo uma vida tranquila: com minhas túnicas alvas, que contrastam com o meu tom de pele, exerço meu oficio nas igrejas da região.

Conto - Em branco e preto, 3a. parte

Plácido casou-se já com idade um pouco mais avançada, tomando uma jovem e bela mulher como esposa. Talvez até mais por interesse, eis que ela herdara uma quinta, famosa pela boa produção de uvas viníferas. Apolônia era o nome dela.

Conto - Em branco e preto, 2a. parte

Ao abrigo do escuro e do disfarce eficiente, nosso Reggy se esgueirava, resoluto e firme, pelas calçadas até à casa da amante, Apolônia. Ali, a sós, ambos se deleitavam a mais não poder. Um homem de meia idade e uma mulher jovem, inquieta e cheia de vida, de apetites insaciáveis.

sábado, 21 de março de 2020

Conto - Em branco e preto, 1a parte

Reggy era frequentador assíduo de um casarão, aos fins de semana. Todos os sábados e domingos, sem falta. Chegava sempre à tardinha, para jogar xadrez com um grupo restrito de amigos. Levava o seu próprio jogo de peças, artisticamente entalhadas em marfim e em pau-roxo, com peso na base e de perfeito equilíbrio. Peças bem proporcionadas e acondicionadas no veludo de uma bonita caixa de tampo marchetado e encerado, que carregava sempre consigo.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Crônica - O amor ao longo dos tempos

Albert Camus, argelino, legou uma obra sombria, A peste, com história ambientada na fictícia Oran, cidade à beira-mar argelina. Talvez como metáfora da retirada das forças de ocupação francesas, o autor nos dá o caos de uma cidade sitiada e fechada em si mesma, num amontado de corpos humanos e de ratos.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Conto - Polidactilia

Histórias de mãos cheias de dedos nunca me impressionaram. Sempre encarei como uma particularidade de uns e outros. Jamais me preocupei com isso; por vezes nem percebia. Enfim, não me causavam maiores transtornos, não me incomodavam.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Crônica - Saudades

O pai dela era marceneiro, dos bons. Fazia os móveis da casa e ainda presenteava os filhos, no casamento, com uma cama confortável e de cabeceira ricamente entalhada a formão. Veio moço da Itália, para conhecer a América, com alguns parentes. Só voltaria uma vez para a terra natal: para se casar com a noiva que ficou esperando e para obter a dispensa do Exército Real. Depois disso, muitas cartas, que se perderam no tempo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Crônica - Marcha para oeste

Quando criança, conheci o Bugre, Seu Joaquim. De fala mansa, poucos dentes na boca, barba branca e rala, dominava as densas matas que davam limites à Vila Mamedina. Percorria as trilhas em busca de ervas medicinais e com elas curava toda sorte de males e doenças da vizinhança. Curou a perna da minha nona, que médico nenhum dava conta; só não deu jeito de curar o netinho, João: o infeliz garoto morreu de tétano, que ninguém nem sabia direito o que era.