O teólogo e filósofo Immanuel Kant nasceu e
morreu em Königsberg, na antiga Prússia. Nunca saiu de sua cidade natal; vivia
no mundo das ideias, da metafísica. Era pura crítica. Criticava tudo, com razão.
Erudito ao extremo, iluminou a filosofia moderna. Era metódico nos seus estudos
e também nos afazeres cotidianos; adotava rotinas rigorosas para tudo: dormia e
acordava, lia e estudava, escrevia e lecionava, sempre nos mesmos horários. Passeava
pelos mesmos lugares dos dias anteriores, nos exatos horários dos dias
anteriores.
Manuelzão, que era cozinheiro de tropa, virou
vaqueiro. Afamado conhecedor dos sertões, virou administrador de fazenda. Nasceu
em Dom Silvério, na Zona da Mata mineira; por decepção amorosa, saiu de casa e atravessou
Minas Gerais atrás de boiada. Foi para Carandaí e Buenópolis, vagou pelas
beiras do Rio São Francisco, chegou a Pirapora, voltou para Corinto, atravessou
o Rio das Mortes. Não tinha parada; campeava, simplesmente.
Mais tarde, estabelecido na região de Três
Marias, tocou boiada para Guimarães Rosa, que colhia anotações sobre as veredas
e suas gentes. Uma viagem entre Andrequicé e Cordisburgo, reunindo dois hábeis
contadores de histórias, e Manuelzão virou um dos personagens centrais da literatura
brasileira. E ganhou o mundo.
Emanuel Lasker, polonês de nascimento, matemático
e filósofo, foi exímio enxadrista; exibia sua arte pelas capitais europeias e se
consagrou na América do Norte. Foi o segundo campeão mundial de xadrez, e o
mais longevo dentre todos eles.
Já Manoelzinho, nascido Manoel Lopes e farmacêutico
de formação, sabia mais do que todos os médicos do lugar; diagnosticava de tudo,
receitava os remédios necessários, manipulava fórmulas, fazia unguentos e aplicava
as medicações. Visitava os doentes em casa, um luxo que os médicos não
dispensavam aos pobres. Dono de farmácia, um prático por natureza e paixão, medicou
a vida inteira na mesma cidade natal, Lençóis Paulista, onde era querido e respeitado.
Agora mesmo soube de outro Manoel, o Manoelzinho
Loreno. Figura ímpar, de Mantenópolis, no interior capixaba. Nascido para fazer
cinema, sobrevivia como pedreiro e capinador nas horas de aperto. Lidou
apaixonadamente com a sétima arte, como poucos fizeram no mundo. Fã declarado
de Chaplin e de Mazzaropi, de faroeste e de terror, Manoelzinho Loreno produziu
mais de quarenta filmes: montava o roteiro, selecionava o elenco entre os
amigos e vizinhos, indicava as cenas através de desenhos feitos num caderno
brochura. Criava os diálogos, escolhia as locações nas vilas e nos morros das
fazendas.
Manoelzinho construía cidades cenográficas, dispunha
os atores principais no primeiro plano e não esquecia dos figurantes, ao fundo.
E rodava tudo em dois dias, para não gastar muito. A trilha sonora vinha de um gravador,
acionado atrás da câmera única que um amigo manejava.
Sim, claro, era também o personagem principal
dos seus filmes, que eram exibidos na própria cidade; praças e quadras
esportivas apinhadas de gente, nas estreias, permitiam a recuperação dos
investimentos feitos. O cinema era a alegria da sua vida, como se confere em https://www.youtube.com/watch?v=OzLCcb7OOgc.
Bela cronica. Parabéns pelo texto. Pelo menos um desses Manoeis eu conheci... o Lopes. Abçs.
ResponderExcluirVidas que não se misturaram, não se cruzaram, mas deixaram lembranças que, certamente, marcaram muitos. No interior, o farmacêutico sempre foi muito procurado e não se recuava a, sabiamente, aconselhar. Hoje, com as limitações e um natural receio, nada sugerem. Uma ótima crônica. Sua esposa ainda trabalha na Caixa? Abraço.
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