Na sala de jantar tem uma bola de futebol de salão, das antigas. Murcha que só ela, ao pé da mesa de madeira maciça. Está ali já há muitos anos. Uns quinze anos, mais ou menos. Sem exagero. Fica sempre por ali. Ora um pouco mais para lá, ou mais para cá; às vezes, encostada ao pé da mesa; outras vezes, mais próxima da parede. Vai variando de lugar conforme é movida nas varrições cotidianas do piso que inadvertidamente a sustém. Ber e Raul sempre toleraram; nunca reclamaram e nem fizeram menção de tirá-la dali. Nunca falaram nada, nenhuma oposição. Compreendem, creio, que ela mantém vivos na minha memória os divertidos e distantes tempos de peladeiro. Simboliza um gostoso passado.
Nas tardes de domingo, na primeira metade dos
anos setenta, lá estava eu, moleque desengonçado e sem o mínimo jeito para a
coisa, insistindo em tampar buraco entre os grandões do Juventude Atlético
Clube. O JAC, de vistosa camisa grená. Do meu irmão Santino, do Zé Laércio, dos
Radichis e de tantos outros que, da minha pequenez física e futebolística, me
pareciam grandalhões e craques da bola pesada.
Vez em quando faltava alguém e então eu
entrava para completar um dos times. Desagradava a todos. Não servia para nada
dentro das quadras de cimento rústico: não sabia chutar; não sabia defender.
Zero domínio de bola. De goleiro, que era o que me sobrava, era um desastre: tinha
medo da bola. Fazia número. Mas era insistente.
É um tempo que se foi. Um bom tempo. Aprendi
algumas coisas com as quais pude razoavelmente enganar alguns, depois de adulto,
nas peladas com a bola pesada. De tudo agora resta ela, ao pé da mesa da sala
de jantar, para perpetuar os bons tempos na minha memória. Sempre olho para
ela; murcha, enrugada. Não a ignoro. Olho para ela e não lhe digo nada. Só fico
mesmo é olhando, de soslaio.
Talvez eu seja o único da casa a lhe dedicar
alguma atenção, ainda que rápida. Nem me arrisco a tocá-la, pois que o desgaste
acentuado do meu quadril direito (ou do acetábulo, como me dizem os
ortopedistas) já não me permite mais esses luxos.
Apenas olho para ela, o que já é de bom
tamanho.
Que bela lembrança, que relíquia, meu irmão, o JAC de tantos treinos e algumas pelejas. E tantos joelhos ralados no cimento rústico da "nossa arena". Parabéns!
ResponderExcluirSantino, obrigado pela visita. Eu me pelava de medo de uma queda naquele cimento.
ExcluirIncrível, é uma bela reflexão, me lembra muito a literatura Russa, principalmente os livros de Liev Tolstói e Fiódor Dostoiévski, a riqueza está nos detalhes.
ResponderExcluirSamuel, meu amigo, obrigado pela visita. Abraços.
ExcluirEzinho: Foa pequenos detalhes essa crônica poderia ser minha, tamanhas as semelhanças. Especialmente as relacionadas ao JAC. Só de Radichis tinha uns 4. De frezzas, 3. Só um era bom…parabéns pela iniciativa. O local era predestinado: Hoje, ali, brotam craques diz basquete.
ResponderExcluirComentário de Célio.👆
ExcluirObrigado, Célio. Entre Radichis e Frezzas até dava um bom time - comigo na reserva... Grande abraço, meu irmão.
ExcluirUma leitura deliciosa, Ezio. Há lembranças que não nos abandonam. Estou rindo porque já teria tirado a bola de onde está e encontrado um outro jeito de preservá-la kkkkk. Tadinha, rolando pra lá e pra cá. Sorte sua ter uma família que entende o sentido da presença dela. Abraço.
ResponderExcluirOlá, Marilene. Obrigado pela visita. Pois é, ela ficaria ali, inerte, se não fosse o resvalo ocasional da vassoura. Melhor assim: tempos atrás, a coitada era violentamente chutada...
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