Eis que me chega, como regalo do meu filho Raul, As Ternas Memórias de Julio Escobar e Outras Rememorações, livro com 18 contos da lavra do escritor e querido amigo Marco Antonio Bin, lançado em 2023 pela Mondru Editora. Garantia de uma leitura agradável, estou certo disso, pelo tanto que conheço do estilo fluente, leve e inteligente que caracteriza os textos do autor.
Tive oportunidade de participar do
corpo editorial do jornal da APCEF/SP, no ano de 1986; junto com Marco Bin,
Bernadete, Beth Haga, Roberto Rossi, Leo e o saudoso Zé Roberto, fundamos o
ESPAÇO, hoje transformado em revista de circulação estadual, e o abrimos para a
efetiva participação dos associados. Foi nele que Marco Bin publicou O
Arbusto de Octopunko, um conto deveras interessante e de boa repercussão. E
não parou mais de produzir excelentes obras.
Naquela época tínhamos um time de futebol
de salão (ainda não se falava em futsal, as regras eram outras, a bola era
pesada e coisa e tal). Nos campeonatos da Caixa Federal vestíamos o que sobrava
dos uniformes oferecidos pela organização dos certames. A sobra das sobra. Algumas
camisas tinham número, outras não; algumas eram compridas ou largas demais,
esgarçadas; outras eram tão curtas que deixavam a descoberto abdomens nada
atraentes. Umas tinham gola; outras não. Mangas compridas e mangas curtas vinham
misturadas. Calções e meias, cada um levava o que tinha em casa, nas mais variadas cores e
tamanhos. Desuniformes ridículos. O sempre elegante Marco Bin, líder do time,
ficava indignado: Gente, é vergonhoso; estamos parecendo o exército de
Brancaleone! Não é possível! Então ríamos todos – e entrávamos em quadra para
os inglórios combates.
Os anos 1980 eram os dos bons tempos
do Cine Bijou, na Praça Roosevelt, com suas inesquecíveis sessões da
meia-noite. Lá eu vi, mais de uma vez, o Incrível Exército de Brancaleone, um
clássico da cavalaria medieval levado às telas pelo diretor Mario Monicelli. No
enredo, um exército composto de maltrapilhos e esfomeados percorre a Europa
medieval, tendo um esquálido pangaré (tadinho!) como cavalgadura. Nas andanças,
o grupo se depara com a peste negra, com bárbaros, bruxas, bruxos e tudo o mais
que se podia esperar naquela época.
A trilha sonora do filme é
contagiante, com destaque para a marcha triunfal:
Branca! Branca! Branca!
Leon! Leon! Leon!
Lione al vento, stiam marciando.
Noi siamo l’armata Brancaleone.
Branca! Branca! Branca!
Leon! Leon! Leon!
O porteiro do Cine Bijou era um
senhor vestido a caráter: usava um elegante paletó marrom, com botões dourados
e reluzentes. A gravata, a calça e os sapatos eram pretos. Sujeito quieto, de
hábitos discretos; um leve sorriso só de vez em quando. Mas ele se esbaldava
quando ouvia a marcha que vazava da sala de exibição. Interrompia o seu
trabalho na catraca e saia marchando ao som da trilha sonora. Virava uma
criança! Literalmente.
Do que ele mais gostava era do
estribilho: Branca! Branca! Branca! Leon! Leon! Leon! Abria discretamente a
cortina e olhava, rápido, para dentro. Seu corpo como que tremia inteiro. Dizia
para todos, vibrando: Eu gosto disso! Essa música é bonita. Cerrava os punhos e
movimentava-os como que regendo uma banda invisível. E saia marchando, marchando
e marchando pelo saguão até que a música terminasse.
O povo, do lado de fora, gostava da
cena. Alguns até aplaudiam a performance enquanto aguardavam na fila. Depois, sem
disfarçar o êxtase experimentado, o porteiro tentava se recompor e voltava à
catraca para a recepcionar o público da sessão seguinte.
Ternas e inesquecíveis memórias,
agora reavivadas com a boa companhia de Julio Escobar. E, claro, deixo de
comentar os excelentes textos de Marco Bin para não estragar o prazer dos
potenciais leitores. É um livro que poderia ser lido de um só
fôlego, mas o melhor mesmo é não ter pressa. É para sentir o prazer da boa leitura, como que vagando pelas ruas de Berlim, entre a Kudamm e a estação Anhalter Bahnhof; ou saboreando um tostado de queijo e uma cerveja num café de Buenos Aires.
Querido Ezio, que belas recordações você traz, e fico honrado em estar presente em algumas delas. Nesta data tão bonita, um abraço saudoso..
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