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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Crônica - Projeções

 

As imagens vão se sucedendo, nítidas, a uma velocidade uniforme de vinte e quatro quadros por segundo. Não há uniformidade no desenrolar dos diversos planos, como que numa montagem aleatória, despreocupada com começo, meio e fim. Tudo transcorre no amplo cenário que se vislumbra entre Apiaí, Iporanga e Eldorado.

Uma longa e surreal estrada de terra, de mediana conservação; de entremeio, alguns trechos com o que sobrou de um antigo asfaltamento. Caminho precário em segmentos longos esculpidos aos pés de imensos rochedos, do lado direito; do outro lado, vastos baixios cobertos por uma floresta verde aparentemente intocada. O veículo roda em marcha lenta e cautelosa por uma sequência de curvas que se estreitam a cada instante. A esperança de que outro não venha de encontro é grande: onde mal cabe um, a marcha a ré é manobra impossível. As imagens surreais dão um toque especial ao clima de aventura. Aliás, clima úmido e abafado, de suadouro.

Nos altos da serra surge o Ribeira de Iguape, cujo caudal de águas marrons é seguido pela estrada, nas alturas de Iporanga, agora com bom asfalto. Pequenas manadas de búfalas surgem de tempos em tempos. Exímias nadadoras, atravessam o Ribeira até uma ilha, num curioso vai e vem: quase invisíveis, apenas nariz e chifres fora d’água, deixam-se levar pela correnteza e aos poucos fincam os pés em terra firme.

O som metálico que se ouve, constante, é o das arapongas, camufladas nas matas. Entre bananais e juçaras, contam-se ao menos nove quilombos. Dentre eles, o de Nhunguara, buraco de barro – que alude às cavernas da região. Antiga área de extração de ouro, os escravizados foram abandonados por seus senhores, que partiram para as promissoras Minas Gerais com a menor carga possível.

No buraco de barro propriamente dito, a Caverna do Diabo. Ali, entre estalactites e estalagmites de pontas quebradas, inscrições feitas nas rochas milenares identificam alguns dos visitantes dos anos 1970 e 1980: Reginaldos, Robertos, Eduardas, Franciscos, Beneditos, Eulálias, Marias e Doralices, para ninguém mais esquecer. Contrastando com o prosaico nado das búfalas, agora também é lugar de rapel: grampos e mais grampos, fincados nas estalagmites, cordas e mais cordas, amarradas aqui e ali, sustentam subidas e descidas dos aventureiros modernos, tudo sob paga às empresas terceirizadas. Mas a parte intocada compensa o delicioso passeio pelos 344 degraus até o ponto mais alto – equivalente ao topo de um prédio de 24 andares: deslumbrante.

É um filme que roda ao infinito sem nunca acabar. As próximas cenas mostram novamente a estradinha estreita e à beira do precipício, as búfalas, os bananais, o caudaloso Ribeira e assim sucessivamente, até o Nhunguara, os trinados das arapongas e as juçaras, mas não necessariamente nesta ordem. É o PETAR, nas agradáveis companhias de Bernadete, Lurdes e Santino.




Foto: canoeiro no rio Ribeira de Iguape, por Santino Frezza

2 comentários:

  1. Bela descrição de uma visita necessária!

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  2. Tudo descrito com a precisão e categoria habituais (Célio).

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