As imagens vão se sucedendo, nítidas, a uma velocidade uniforme de vinte e quatro quadros por segundo. Não há uniformidade no desenrolar dos diversos planos, como que numa montagem aleatória, despreocupada com começo, meio e fim. Tudo transcorre no amplo cenário que se vislumbra entre Apiaí, Iporanga e Eldorado.
Uma longa e surreal estrada de terra,
de mediana conservação; de entremeio, alguns trechos com o que sobrou de um
antigo asfaltamento. Caminho precário em segmentos longos esculpidos aos pés de
imensos rochedos, do lado direito; do outro lado, vastos baixios cobertos por uma
floresta verde aparentemente intocada. O veículo roda em marcha lenta e
cautelosa por uma sequência de curvas que se estreitam a cada instante. A
esperança de que outro não venha de encontro é grande: onde mal cabe um, a
marcha a ré é manobra impossível. As imagens surreais dão um toque especial ao
clima de aventura. Aliás, clima úmido e abafado, de suadouro.
Nos altos da serra surge o Ribeira de
Iguape, cujo caudal de águas marrons é seguido pela estrada, nas alturas de
Iporanga, agora com bom asfalto. Pequenas manadas de búfalas surgem de tempos
em tempos. Exímias nadadoras, atravessam o Ribeira até uma ilha, num curioso vai
e vem: quase invisíveis, apenas nariz e chifres fora d’água, deixam-se levar
pela correnteza e aos poucos fincam os pés em terra firme.
O som metálico que se ouve, constante,
é o das arapongas, camufladas nas matas. Entre bananais e juçaras, contam-se ao
menos nove quilombos. Dentre eles, o de Nhunguara, buraco de barro – que alude às
cavernas da região. Antiga área de extração de ouro, os escravizados foram
abandonados por seus senhores, que partiram para as promissoras Minas Gerais
com a menor carga possível.
No buraco de barro propriamente dito,
a Caverna do Diabo. Ali, entre estalactites e estalagmites de pontas quebradas,
inscrições feitas nas rochas milenares identificam alguns dos visitantes dos
anos 1970 e 1980: Reginaldos, Robertos, Eduardas, Franciscos, Beneditos, Eulálias,
Marias e Doralices, para ninguém mais esquecer. Contrastando com o prosaico
nado das búfalas, agora também é lugar de rapel: grampos e mais grampos, fincados
nas estalagmites, cordas e mais cordas, amarradas aqui e ali, sustentam subidas
e descidas dos aventureiros modernos, tudo sob paga às empresas terceirizadas.
Mas a parte intocada compensa o delicioso passeio pelos 344 degraus até o ponto
mais alto – equivalente ao topo de um prédio de 24 andares: deslumbrante.
É um filme que roda ao infinito sem nunca acabar. As próximas cenas mostram novamente a estradinha estreita e à beira do precipício, as búfalas, os bananais, o caudaloso Ribeira e assim sucessivamente, até o Nhunguara, os trinados das arapongas e as juçaras, mas não necessariamente nesta ordem. É o PETAR, nas agradáveis companhias de Bernadete, Lurdes e Santino.
Bela descrição de uma visita necessária!
ResponderExcluirTudo descrito com a precisão e categoria habituais (Célio).
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