Era ágil e sagaz; corria muito. Dava velocidade ao jogo, mas também
cadenciava a partida quando necessário. O olhar sempre atento varria os quatro
cantos do campo; a visão periférica era aguçada. Via as jogadas frações de
segundos antes dos outros. Com grande
impulsão, subia mais do que os zagueiros. Parava no ar, soberano, esperando a bola; de
olhos abertos, cabeceava firme, via a rede balançando e só depois descia placidamente para o
gramado.
Ambidestro, chutava de esquerda e de direita com a mesma pontaria. Na
bola parada era perfeito. No pênalti, criou uma quase imperceptível paradinha e a bola saia do alcance do
goleiro. Nas faltas, de perto ou de longe, a bola entrava por cima ou por
baixo, pelos lados ou no meio, em curva ou em linha reta. Driblava como ninguém;
dribles longos e velozes, ou curtos e sutis. Fazia fila, saindo dos adversários.
Com bola rolando, o chute era violento, estufando as redes; ou apenas colocado,
aninhando a bola nos cordéis. Quando o adversário se fechava inteiro dentro da grande área, executava uma delicada cavadinha e a bola encobria todo mundo, passava rente ao travessão e morria suave dentro do gol.
Não era individualista; trocava passes e fazia tabelas mágicas. Tabelava
com os companheiros de ataque ou com as pernas dos incrédulos adversários. Quando
não, tocava a pelota por entre as pernas alheias, com naturalidade e sem pedir
licença.
Jogou de goleiro, numa emergência, com rara habilidade. Ajudava na defesa
e imperava no meio de campo, desarmando ou armando. Fazia lançamentos milimétricos
para os colegas de ataque, que se fartavam na artilharia. Jogava na frente,
recebendo e finalizando. Indicava o posicionamento dos colegas e cantava o jogo.
Dominava a bola no peito, como se o peito fosse um colchão, tal a maciez com
que a amortecia e dominava. Executava bicicletas acrobáticas, desferindo o
chute certeiro com uma rápida pedalada no ar.
Entendia o futebol como um esporte coletivo; comemorava os gols com o
grupo e com a comissão técnica. Primeiro a entrar em campo, era o último a sair
para os vestiários. Era um atleta que sabia cuidar do corpo, com ótima compleição
física harmonicamente distribuída em 1,73 de altura. Sem vícios, não divulgava cigarros
e nem álcool. Não era boêmio. Pacifista, fez parar uma guerra como condição para
jogar.
Desfilava em campos de terra e esburacados. O fardamento era de algodão
grosso e pesado. As chuteiras eram de couro duro, aviadas com pregos. Caçado em
campo, tomava muita pancada: perdeu um rim por conta disso. Sem espalhafato e
sem revide; em poucas ocasiões deu o troco ao adversário desleal. Equilibrado
emocionalmente e consciente da sua capacidade, respondia com dribles e gols
desconcertantes.
Estreou pela Seleção Brasileira aos 16 anos. Jogou quatro Copas do Mundo
e ganhou três. Em duas delas foi protagonista, inclusive na primeira, aos 17
anos. Jogou e ganhou dois Mundiais de Clubes. Jogou e ganhou duas Libertadores
das Américas; jogou e ganhou dezenas de campeonatos regionais, nacionais e internacionais.
Anotou 1.282 gols em 20 anos de profissão. Sempre titular absoluto, em alto
nível e com raras contusões.
Jogou na seleção brasileira e em seleções regionais. Em clubes, vestiu
apenas duas camisas: no Brasil, o manto branco, glorioso; nos Estados Unidos,
onde foi ensinar os gringos, uma verde escura. Compôs musica de sucesso, cantou
e gravou discos. Atuou em filmes e em novelas com desenvoltura. Arrastava
multidões. Era um líder nato, respeitado mesmo entre adversários e chefes de
estado estrangeiros.
Em 1961, os franceses, encantados com a sua arte, o chamaram de Rei,
alcunha com a qual se eternizaria.
Fotografia de Raul Pereira Frezza
Grande Edson
ResponderExcluirSim, Tadeu, Edson era genial, incomparável. O mundo se deleitou com a sua arte. Um forte abraço, Tadeu, muito obrigado.
ExcluirÓtima crónica
ResponderExcluirObrigado, Tadeu, espero que tenha sido do seu agrado. Um grande abraço, meu caro amigo.
ExcluirUma grande mestre descrevendo um grande jogador, perfeito.
ResponderExcluirGostei demais, Ezio! Sua crônica é uma homenagem magnífica ao inesquecível "Rei". Não sabia que ele havia perdido um rim. Meus aplausos a ele e a você. Abraço.
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