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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Crônica - Coisas de gênio

Era ágil e sagaz; corria muito. Dava velocidade ao jogo, mas também cadenciava a partida quando necessário. O olhar sempre atento varria os quatro cantos do campo; a visão periférica era aguçada. Via as jogadas frações de segundos antes dos outros.  Com grande impulsão, subia mais do que os zagueiros. Parava no ar, soberano, esperando a bola; de olhos abertos, cabeceava firme, via a rede balançando e só depois descia placidamente para o gramado.

Ambidestro, chutava de esquerda e de direita com a mesma pontaria. Na bola parada era perfeito. No pênalti, criou uma quase imperceptível paradinha e a bola saia do alcance do goleiro. Nas faltas, de perto ou de longe, a bola entrava por cima ou por baixo, pelos lados ou no meio, em curva ou em linha reta. Driblava como ninguém; dribles longos e velozes, ou curtos e sutis. Fazia fila, saindo dos adversários. Com bola rolando, o chute era violento, estufando as redes; ou apenas colocado, aninhando a bola nos cordéis. Quando o adversário se fechava inteiro dentro da grande área, executava uma delicada cavadinha e a bola encobria todo mundo, passava rente ao travessão e morria suave dentro do gol.
Não era individualista; trocava passes e fazia tabelas mágicas. Tabelava com os companheiros de ataque ou com as pernas dos incrédulos adversários. Quando não, tocava a pelota por entre as pernas alheias, com naturalidade e sem pedir licença.
Jogou de goleiro, numa emergência, com rara habilidade. Ajudava na defesa e imperava no meio de campo, desarmando ou armando. Fazia lançamentos milimétricos para os colegas de ataque, que se fartavam na artilharia. Jogava na frente, recebendo e finalizando. Indicava o posicionamento dos colegas e cantava o jogo. Dominava a bola no peito, como se o peito fosse um colchão, tal a maciez com que a amortecia e dominava. Executava bicicletas acrobáticas, desferindo o chute certeiro com uma rápida pedalada no ar.
Entendia o futebol como um esporte coletivo; comemorava os gols com o grupo e com a comissão técnica. Primeiro a entrar em campo, era o último a sair para os vestiários. Era um atleta que sabia cuidar do corpo, com ótima compleição física harmonicamente distribuída em 1,73 de altura. Sem vícios, não divulgava cigarros e nem álcool. Não era boêmio. Pacifista, fez parar uma guerra como condição para jogar.
Desfilava em campos de terra e esburacados. O fardamento era de algodão grosso e pesado. As chuteiras eram de couro duro, aviadas com pregos. Caçado em campo, tomava muita pancada: perdeu um rim por conta disso. Sem espalhafato e sem revide; em poucas ocasiões deu o troco ao adversário desleal. Equilibrado emocionalmente e consciente da sua capacidade, respondia com dribles e gols desconcertantes.
Estreou pela Seleção Brasileira aos 16 anos. Jogou quatro Copas do Mundo e ganhou três. Em duas delas foi protagonista, inclusive na primeira, aos 17 anos. Jogou e ganhou dois Mundiais de Clubes. Jogou e ganhou duas Libertadores das Américas; jogou e ganhou dezenas de campeonatos regionais, nacionais e internacionais. Anotou 1.282 gols em 20 anos de profissão. Sempre titular absoluto, em alto nível e com raras contusões.
Jogou na seleção brasileira e em seleções regionais. Em clubes, vestiu apenas duas camisas: no Brasil, o manto branco, glorioso; nos Estados Unidos, onde foi ensinar os gringos, uma verde escura. Compôs musica de sucesso, cantou e gravou discos. Atuou em filmes e em novelas com desenvoltura. Arrastava multidões. Era um líder nato, respeitado mesmo entre adversários e chefes de estado estrangeiros.
Em 1961, os franceses, encantados com a sua arte, o chamaram de Rei, alcunha com a qual se eternizaria.




Fotografia de Raul Pereira Frezza

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Sim, Tadeu, Edson era genial, incomparável. O mundo se deleitou com a sua arte. Um forte abraço, Tadeu, muito obrigado.

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  2. Respostas
    1. Obrigado, Tadeu, espero que tenha sido do seu agrado. Um grande abraço, meu caro amigo.

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  3. Uma grande mestre descrevendo um grande jogador, perfeito.

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  4. Gostei demais, Ezio! Sua crônica é uma homenagem magnífica ao inesquecível "Rei". Não sabia que ele havia perdido um rim. Meus aplausos a ele e a você. Abraço.

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