No final dos anos 1980, descíamos, eu e Ber, pela Rua Augusta. Na boca da noite, depois se do serviço, íamos a pé para casa, na região central de São Paulo, como de costume. Na calçada estreita, distraídos e de mãos dadas, como de costume, a certa altura fomos surpreendidos por um paredão a nossa frente: soltamos as mãos e desviamos de três grandalhões que vinham subindo, em sentido contrário. Olhando para cima, de relance, foi que vimos o lendário Ray Conniff e suas duas filhas, abraçados, sorridentes, elegantemente trajados – e, claro, eles nem sequer perceberam o nosso desvio, nem a minha admiração.
Cantor,
trombonista, maestro, arranjador e dançarino, Ray Conniff encantou o mundo;
especialmente, dizem, encantou os brasileiros. Me encantou! Pôs alegria e vida na
música popular internacional, orquestrando-as maravilhosamente bem, dando a
elas nova roupagem e excepcional originalidade. Tudo com muito suingue, muito
balanço. Dançante.
Raul Seixas, bem
nessa época, morava no nosso caminho, mais precisamente num Apart-hotel da Rua
Frei Caneca; frequentávamos, em horários diferentes, a mesma casa de discos, na
Rua Matias Aires, logo abaixo da Avenida Paulista. Um sebo, na verdade, com
muitos e variados bolachões. Nos longos papos com o proprietário,
soubemos que o Raulzito também aparecia por ali no meio da tarde: “Ele se
debruça aqui no balcão, mal consegue falar e dorme por longo tempo, em pé mesmo.
Por volta das cinco da tarde, a secretaria vem buscar o Maluco, leva ele para
casa. Você que gosta dele, venha vê-lo, é gente boa”. Não, não fui; resisti bravamente
a uma visita ao meu grande ídolo, não suportaria vê-lo naquele estado.
Em Olinda, nos
aconteceu algo bonito, que está registrado em algumas fotografias: fizemos uma
caminhada pelo alto da cidade, no final da tarde, passamos pela Catedral, admiramos
verde mar por sobre o casario colonial. Andávamos a esmo, entre fontanários e
as belas fachadas das ruas estreitas, quando fomos atraídos por uma sonora
frevança; atrás dela, chegamos até a casa do Alceu Valença, que gravava um
especial para uma TV francesa.
Tivemos
direito a uma linda e bem executada coreografia de ágeis dançarinos e
dançarinas, todos vestidos a caráter, com sombrinhas multicoloridas. O som era
de uma deliciosa banda da velha guarda. Tudo sob o comando do Chico José,
jornalista pernambucano. Alceu Valença, com uma capa vermelha, coroa dourada na
cabeça e um cetro prateado na mão direita, cantava, cantava e cantava. E
dançava, dançava e dançava.
As fotos da Ber, frevando sob a janela do sobrado, se constituem na lembrança viva daquela tarde.
Bela crônica, colorida e sonora, respeitosa e carinhosa.
ResponderExcluirEstar no lugar certo, na hora certa, é divino !
Parabéns pelo texto, e por reconhecer as riquezas desta Vida !
Obrigado, prezada Clarice Villac. Alguns encontros, ainda que rápidos e fortuitos, são marcantes. Vale a lembrança. Forte abraço para você.
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