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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

sábado, 26 de setembro de 2020

Crônica - O Senhor Meirinho

 

Está em Lucas, 12:58: ponha-te em acordo com o teu adversário para que ele não te leve ao juiz, e o juiz te mande ao Meirinho e o Meirinho te meta na prisão. Ah! O Senhor Meirinho, encarregado, desde os tempos bíblicos, de executar as ordens do juiz. Penhorando e arrestando, citando e intimando, prendendo e soltando, incansável até hoje, já agora como Oficial de Justiça.

Já foi Meirinho-mor, nomeado por decreto real na idade média, em Portugal e na Espanha; como tal, exercia poderes de magistrado e, mais, de governança mesmo, em algumas Comarcas daqueles reinos. Aos poucos, porém, foi retomando as atividades de origem.

Veio para o Brasil pelas mãos lusitanas. Licenciado pela autoridade local, fincava ponto nas esquinas do Rio de Janeiro, à espera dos rábulas que o procuravam, diretamente, para executar suas funções. Cativava a freguesia, procurava boas relações para ganhar a vida.

Povoou a literatura de língua portuguesa, está imortalizado nas páginas de grandes escritores. Passa de passagem pelos Grandes Sertões, de Guimarães Rosa, se acotovela pelos balcões forenses com Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, recebe ordens graves em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. É esperado, com certa angústia, em O Noviço, de Martins Pena e (que pena!) é malquisto em Bala de Estalo, de Machado de Assis.

Mas é em Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, que o Senhor Meirinho recebe maior dedicação, na pele de Leonardo Pataca. Tinha até um canto próprio no centro velho do Rio de Janeiro, entre as ruas do Ouvidor e da Quitanda; formava, junto com os desembargadores, um arco dentro do qual se passavam os terríveis combates do processo, segundo o próprio autor.

Conheci vários deles. Solenes, imponentes e de pouca conversa, alguns; mais simpáticos, amigáveis e proseadores, outros. Trabalhadores sofridos, deles não tenho do que reclamar, apenas tantas histórias para contar.

Meu querido irmão, Celio, que também já foi cartorário, tem uma lembrança interessante:- um homem sofreu um mal súbito nos corredores do fórum e teve que ser socorrido às pressas, ali mesmo; praticamente desfalecido, esparramou-se sobre um grande banco de madeira.

Em meio ao corre-corre geral, eis que aparece, assim de repente, um Meirinho, com um copo d’água; num lance certeiro, atirou o conteúdo do copo, num jato só, sobre as partes baixas do cidadão, que não entendia absolutamente nada do que se passava.

E nem sequer entendeu depois de voltar a si, o pobre coitado, que o ato do Senhor Meirinho foi – suprema presença de espírito – determinante para impedir a vergonha de se ver urinado nas próprias calças.






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