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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Crônica - Noturno

 

Monsieur me contava deliciosas histórias nos intervalos entre as aulas, nos muitos anos de nossa convivência. Guardo-as com carinho, tanto quanto guardo as três “cédulas do índio”, de cinco cruzeiros, de 1961, seriadas, e a cópia xerox, em tamanho real, de uma edição do Pravda, regalos da amizade e do respeito mútuos.

Numa viagem a Cuba, teve a rara oportunidade de fotografar os lendários Tupolev e Ilyushin, estacionados no aeroporto de Havana. Em outra ocasião, atraiu todos os olhares, furiosos, dos passageiros de um voo da Aeroflot: acostumado com as cortesias de outras empresas, Monsieur demorou a se dar conta de que levara consigo o único exemplar do Pravda, destinado a circular entre os leitores a bordo.

Monsieur preserva com cuidado a edição 1.337, da revista Manchete, de 3 de dezembro de 1977, pelo inusitado da capa: uma foto improvável, em que o líder egípcio Anwar Al Sadat aparece amistosamente entre Moshe Dayan e Menachem Begin, líderes israelenses, numa conferência de paz para o Oriente Médio. E, mais inusitado ainda: Sadat está usando uma gravata decorada com vistosas suásticas ... Bem, há quem diga que era uma fotomontagem, que Sadat jamais faria gesto tão ignóbil e que Dayan e Begin, de sua vez, jamais aceitariam tamanha ofensa. De qualquer modo, essa foto é facilmente encontrada até hoje nos arquivos do fotojornalismo mundial.

Apreciador da boa música, Monsieur publicou um livro tratando do ragtime e do jazz, recheado de lembranças dos tempos em residiu nos EUA.  Para além das letras, Monsieur usa a sua habilidade ao piano para fazer um giro pela história da música internacional, em alegres concertos. Porém, é da música clássica que fala com mais gosto e emoção.

Foi através de Monsieur que conheci alguma coisa de Brasílio Itiberê, nascido, criado e formado na cidade de Paranaguá. Virtuoso no piano clássico, que aprendeu com uma das irmãs, Itiberê foi para Curitiba, depois se apresentou em São Paulo e, enfim, como embaixador nomeado por Pedro II, ganhou o mundo: serviu no Peru, Paraguai, Itália, Bélgica e Alemanha, onde morreu em 1913, aos 67 anos de idade.

Na Europa, Itiberê travou amizade com Rubinstein, Sgambatti e Franz Liszt. Consta que, ao ouvir uma obra do brasileiro, Liszt teria dito, entre surpreso e incrédulo: “Ora, não me lembro de ter feito essa música...”.

Brasílio Itiberê nos legou primorosas composições, umas com temáticas nossas, como A Sertaneja, Serrana, Pensando no Samba, Protetor Exu e Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, e outras com temáticas europeias e universais, como Poème d’Amour, Valse, Caprices à la Mazurka e Une Larme, numa lista vai para quase uma centena delas, sem nada dever para os festejados mestres europeus.

Considero, todavia, que é em seu Noturno 2 que o Mestre Parnanguara se supera - e supera a todos os outros. Ofereço um doce para quem ouvir e não pensar que é Chopin! 

Liszt ouviu e pensou que ouvia a si próprio ... 

Brasílio Itiberê é de arrepiar, não é mesmo, Monsieur?




3 comentários:

  1. Amigos e seu dom de estimular os sonhos, acrescentar qualidade ao dia a dia...
    Parabéns pela crônica e pela homenagem ao seu amigo.

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  2. Obrigado, Clarice Villac. As pessoas vão passando pelas nossas vidas e vão deixando histórias, ensinamentos e amizade. O antigo chavão ainda é válido: levam um pouco de nós, deixam para nós um pouco deles. Um forte abraço.

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  3. Obrigado, Clarice Villac. As pessoas vão passando pelas nossas vidas e vão deixando histórias, ensinamentos e amizade. O antigo chavão ainda é válido: levam um pouco de nós, deixam para nós um pouco deles. Um forte abraço.

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