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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

sábado, 9 de janeiro de 2021

Crônica - Memórias

 

Dele herdei o nome, os olhos claros e o gosto pela leitura. Fui seu ajudante durante dois anos, sobre a carroça que atravessava diariamente a cidade entregando lenha. Ainda não se falava em fogão a gás. E fazendo carretos diversos: pesados rolos de sola, do curtume para a Estação Sorocabana; compras mensais de mantimentos, da Sorocabana para a casa dos ferroviários, além de uma série de outras tarefas, sob sol ou chuva.

Supremo orgulho, certa noite, fingindo que dormia, ouvi ele dizendo para a minha mãe que eu era um bom ajudante. O dia mais esperado era o sábado, quando íamos para algum sítio das redondezas em busca de pontas de cana ou de capim, provisões semanais para os burros. Nessas ocasiões ele me encarregava de ficar olhando para trás, para ver se vinha algum carro ou caminhão.

Eu gostava de transportar areia; mais brincava do que trabalhava. Dureza era transportar saibro, pedido por alguns fregueses para construção de casas; ele fazia questão de colher a terra diretamente dos formigueiros de saúva. E eu padecia imensamente com tantas formigas que brotavam de todos os lados.

Pelas narrativas dele eu acompanhei a Guerra do Vietnã. E no ano de 1969, me manteve acordado em duas noites memoráveis: em Agosto, para ver Neil Armstrong andando no solo lunar e, em Novembro, para ver o milésimo gol de Pelé. Graças a ele eu vi a história acontecendo.

Dele também herdei a predileção pelo alvinegro da Vila Belmiro. Jamais me esquecerei da felicidade estampada em seu rosto quando o levei para conhecer o estádio Urbano Caldeira; no Memorial das Conquistas, procurou ansiosamente pelos troféus dos Mundiais Interclubes e das Libertadores de 1961 e de 1962 – e sorriu feito criança ao encontrá-los.

Era o mínimo que eu podia fazer para retribuir as deliciosas tardes domingueiras que passei, ao seu lado, quando criança, no estádio Archângelo Brega, em Lençóis, para ver os jogos do CAL. Me lembro também das idas dele a Bauru, para ver o Santos de Pelé, Pepe, Coutinho e companhia, no Alfredo de Castilho. Encantado, ele voltava para casa e contava sobre os lances da partida.

Se vivo, hoje, 09 de Janeiro, ele faria 101 anos de idade.

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