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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Crônica - Tugidos e mugidos

 

Os primeiros mugidos de gado eu ouvi quando menino, no Sítio do João Paccola, onde ia, todas as manhãs, buscar um litro de leite. Mugidos que me davam medo, me aterrorizavam: saia correndo, rapidamente. Não ficava para ver o boi, bastavam os mugidos. O gado tinha imponência e dignidade. Botava respeito, era reconhecido.

O boi está no Acalanto, de Dorival Caymmi. Boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta... Só eu velo por você, meu bem; dorme anjo, o boi pega neném. E a criança dormia; sem sustos, mas respeitosa.

Maurício de Nassau fez um boi voar pelos céus do Recife, quando o Brasil era Holandês e a cidade se chamava Maurícia. Do que se aproveitou Chico Buarque para uma divertida marchinha: Boi voador não pode! Qual é a do boi que voa? Boi não pode voar à toa.

Boi e vaca. O Boi Veludo, de Tião Carreiro e Pardinho, é um boi valente, indomável, com lombo liso igual sabão, derruba o peão no chão! Vaca Estrela e Boi Fubá, de Pena Branca e Xavantinho, formaram uma dupla inseparável:- foram companheiros até o cruel destino.

Uma vaca parruda ilustrou a capa de Atom Heart Mother, de Pink Floyd, disco onde tem o melhor do rock progressivo. Uma vaca de divinas tetas, como a Vaca Profana, quero seu leite todo em minha alma, cantada por Gal Costa.

Mugido bonito tem em Vaqueiro Prevenido, sucesso na voz maviosa de Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano. Impagável: Múúúúúúú.... Eh! Boi, anda ligeiro, tá caindo uma garoa, anoitecendo não quero ver gado à toa. Era um gado mais submisso. Vamos, anda ligeiro.

Em Disparada, Vandré e Theo de Barros foram impiedosos: prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar... E contaram! Impiedoso também foi Zé Ramalho, em Admirável Gado Novo: lá fora faz um tempo confortável, a vigilância cuida do normal. Sem tugir nem mugir.

Foi uma vaca que, insolente, subiu os degraus do Palácio do Governo, no romance de Gabriel Garcia Marques, O Outono do Patriarca. Vagou pelos salões vazios, revirou os cômodos, comeu papéis e deixou seus estrumes pelo chão sem que ninguém lhe desse importância. O Patriarca já não podia mais nada.

Nastassja Kinski teve seu belo traseiro placidamente lambido por uma vaca, nas cenas finais do comovente Tess, de Roman Polanski.

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