Luciano nasceu em Porto Seguro e ainda jovem se aventurou para as bandas do Sul de Minas, onde veio fazer o Curso de Direito; veio em uma das mais recentes ondas de baianos que por aqui deixam saudades. Tantos vieram ao longo das últimas décadas: Alícia, Heraldo, Rominho, Marcelo, Olodum, enfim, garotos e garotas que alegram o campus, que marcam épocas entre nós e depois vão embora.
Gostava do
Luciano; para ele eu contei as histórias da Porto Seguro que ele não conhecera,
de quanto ele ainda nem havia nascido; ele não sabia, por exemplo, que a sua
cidade natal recebeu, no anos 1970, alternadas ondas de hippies, que buscavam as tranquilas e paradisíacas vilas de pescadores. Aquela gente cabeluda, peluda e que
não gostava de usar roupas, por ali ficava; homens, mulheres e crianças, viviam
a natureza esplendorosa do lugar.
Depois foram
as sucessivas ondas de mochileiros, nos anos 1980, de que fiz parte; com a vida
citadina estabilizada e com emprego certo, botávamos uma mochila nas costas e
íamos, de todos os cantos do país, para uns quinze ou vinte dias de pura
curtição entre os nativos. Muitos ficavam por lá, não voltavam mais para suas
origens.
Falei para o
Luciano sobre as sete ou oito viagens que fiz para a terra dele; eu rodava 26
horas no ônibus de linha da Viação São Geraldo, de São Paulo até Eunápolis;
então, baldeava para a precária Viação Sulba e eram mais duas horas até Porto
Seguro – e, depois de quase trinta horas na estrada, chegava diretamente para
noite que se apresentava fervilhando na Passarela do Álcool.
Contei para
ele sobre a soberba visão das ondas verdes que se descortinavam desde os altos
da Igreja de Mucugê. Falei do contato direto com os pescadores, das comidas
caseiras simples e saborosas. Ele se comoveu quando lhe falei da Dona
Humbertina, que abria a sua casa para servir um delicioso e farto P.F. Essa
senhora acolheu por volta de 10 ou 12 crianças carentes da cidade, cuidou delas
em todos os detalhes que suas parcas economias permitiam. Como será que estaria
a Dona Humbertina? O que será que foi feito daquela criançada toda?
Contei para o
Luciano sobre as longas caminhadas por estradas e praias, desde a Balsa até o
Arraial D’Ajuda, da liberdade do corpo sem censura, enfim, coisas que ele não
conheceu. Em troca, O Luciano, que já pegou tempos mais modernos e de maior
conforto, me falou muito da Porto Seguro mais atual, que eu não
conheci; me falou das ondas de argentinos, ingleses e italianos que por ali
aportaram, dos restaurantes internacionais e das joalherias de grifes famosas que
estão na cidade; me falou dos nativos que foram desalojados, em ondas seguidas
e imperceptíveis, dos povoados do Mucugê e de Trancoso. Cederam lugar para os
gringos e agora são empregados deles; os pobres trabalham no luxuoso comércio que
funciona onde antes tinham seus casebres. Enfim, essas coisas que nunca
imaginávamos que pudesse acontecer.
Na última vez
que nos vimos, o Luciano me trouxe notícias da Dona Humbertina: ela cuidou bem
dos filhos adotivos, deu-lhes estudo e formação adequada. Mas agora, disse ele,
já pouco se vê das ondas verdes, que estão escondidas atrás do novo casario que
se formou à beira mar.
Coisas da
vida. Pois bem: ontem eu soube que o Luciano embarcou de carona na onda da
pandemia. E lá se foi o meu querido amigo baiano.
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