Jards acordou em sobressalto, numa manhã de Outubro de 2057. Achava que tinha perdido a hora. Apressado, pulou da cama, abriu a janela e recebeu a luz ofuscante do sol diretamente na cara; a grande bola vermelha recém-saída do horizonte mostrava que ainda era cedo. Ufa! Que bom, pensou ele! Era apenas uma questão de controlar a ansiedade. Havia, ao menos, a promessa de um dia quente e propício para a montagem das abelhas elétricas que receberia naquela manhã. Com alguns esforços e sem perder tempo com coisas paralelas, talvez conseguisse montar todas até o final da tarde.
Como desjejum, tomou uma infusão instantânea, com sabor adocicado
de café, e comeu algumas massas que sobraram do dia anterior. Por volta das 9
horas, rigorosamente como combinado, recebeu o sinal sonoro da Electric Mifeng., no comunicador móvel: pronto, a encomenda já estava baixando,
literalmente, no quintal de casa, trazida por um drone teleguiado desde a
América do Norte.
Com pequenas e quase imperceptíveis variações de tamanhos e cores,
ali estavam, em saquinhos separados, as centenas de pequenas peças para a
montagem do seu primeiro e tão sonhado enxame de abelhas eletrônicas:
minúsculas cabeças, abdomens, pernas e asas. As cabeças, não maiores que um
grão de arroz, vinham com os tradicionais cinco olhos, duas antenas e uma boca
com mandíbulas potentes; os abdomens se apresentavam de tamanhos e cores
diferentes, alguns mais volumosos que outros, conforme a função de cada inseto;
nas pernas, dobráveis, se viam as delicadas corbículas, adequadas para
transporte de pólen, resinas e néctar.
Ah! Sim, bonitas eram as asas, sedosas e transparentes. Tudo se
encaixava em harmonia, formando pequenos seres graciosos, com articulações próprias
para voarem tal como faziam os verdadeiros insetos de outrora; deles sobraram
apenas os vídeos, realizados antes que a abrupta degradação ambiental os
dizimasse por completo.
Com a noite já adentrando, finalmente encaixou os chips nos
ventres das fengs, cuidando para não confundir tamanhos e as atividades de cada
exemplar. Ao todo, montou 100 mifengs, entre gõngzhufengs, explorfengs,
jingchás, zangsfengs, gõngrefengs e silifengs, em grupos bem proporcionados,
com a ajuda de gabaritos e instruções do fabricante; os textos estavam
redigidos em precário mandaluso, uma mistura de português, inglês e mandarim
que lhe gerou algumas dificuldades de compreensão.
Uma centena de mifengs, de obsolescência programada; mais não dava
para comprar com o minguado orçamento. Ainda devia algumas prestações dos
pastos apícolas artificiais, que já estavam montados há alguns dias; eram
lindos arbustos, verdes e floridos, mantidos virtualmente através de
sofisticadas e quase invisíveis placas fotoelétricas que processavam água
dessalinizada e glicose, num canto do quintal concretado e protegido das
intempéries. Era desses pastos que as mifengs tirariam os alimentos necessários
à sobrevivência da colmeia; os arbustos compunham um perfeito jardim, que se
confundiam, à primeira vista, com as plantas que a natureza produzia
antigamente. Valia cada centavo gasto.
Foi um dia cansativo, de trabalho intenso e meticuloso; Jards
sentiu as vistas cansadas, muitas dores nas costas e os dedos doloridos de
tanto ajustar encaixes. Comeu algumas sobras das sobras, nos raros momentos de
descanso. Não teve tempo para carregar os chips. Durante a noite os programas
ficariam baixando e no dia seguinte seriam carregados sem maiores dificuldades.
Foi dormir contente e satisfeito. Estava
seguro de que as mifengs cumpririam à risca as missões para as quais foram
programadas, desde a escolha do local de nidificação do grupo até a coleta de
alimentos no jardim eletrônico. Tudo funcionaria perfeitamente bem, incluindo a
geração de filhotes e a reprodução do grupo; pelo menos é o que garantia o
fabricante – a Electric Mifeng and Co., uma conceituada multinacional chinesa
especializada em nano-inteligência artificial que fabricava peças explorando
mão de obra barata no interior dos Estados Unidos da América do Norte.
Incrível - e surpreendente - desfecho, Mestre Ezio
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirQue bom que gostou, prezado amigo Virgílio. É sempre bom receber a sua visita. Grande abraço.
Excluir