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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

domingo, 23 de maio de 2021

Electric Mifeng - Parte final

 

Na manhã seguinte, os chips estavam carregados e as abelhas, prontas para a decolagem, estavam alinhadas sobre uma placa-mãe-plástica. Ligado o sistema, deu-se a suprema e emocionante primeira revoada, para deleite de Jards. Voaram as explorfengs, em cautelosas panorâmicas e em altitudes alternadas, ora rente ao chão, ora um pouco mais alto, ultrapassando, inclusive, os muros da vizinhança. Jards mal conseguiu conter a emoção, embora conhecesse exatamente todas as etapas da enxameação. No terceiro dia de exploração, já estavam instaladas numa caixa de acrílico fosco, num canto do quintal, que emitia ondas magnéticas de curto alcance de uma atrativa fragrância floral rústica.

Então foi a vez das gõngrefengs, operárias encarregadas da construção do ninho. Foram dias de idas e vindas entre a placa-mãe e a caixa, num extasiante farfalhar de asas que durava desde cedo até o anoitecer. Nesse trabalho contínuo, a nova morada ficou pronta, à espera das candidatas ao supremo cargo de rainha – as gõngzhufeng, lindas princesas, que se fizeram acompanhar dos excitados zangsfengs, machos à procura de cópula.

Na revoada, Jards não conseguiu identificar exatamente qual das princesas foi copulada e nem pode ver quais zangões realizaram o seu desejo; entretanto, viu, dias depois, que o enxame todo estava fixado na caixa de acrílico, em perfeita harmonia e em pleno desenvolvimento. Lá estavam as jingchás vigiando a entrada do enxame; lá estavam as silifengs, campeiras que visitavam as flores artificiais do pasto apícola adredemente preparado e dali recolhiam resina, pólen e néctar em quase tudo iguais aos da natureza de tempos passados.

Semanas se passaram e tudo caminhou dentro das previsões e estudos que Jards fizera. As abelhas cumpriam o seu ciclo de vida, morriam e se autodegradavam em uma lixeira situada no chão da colmeia, enquanto que as posturas novas e as larvas nascentes renovavam a família.  Em alguns meses, se nada de anormal adviesse, certamente conseguiria controlar a reprodução artificial e teria material próprio para revenda no mercado clandestino, incrementando sua renda.

Contava com isso não apenas para recuperar o dinheiro investido no empreendimento, mas, também, para ganhar o dinheiro extra de que necessitava para comprar as sinomáscaras faciais de quádrupla proteção e para tomar as vacinas contra a Covid-57-M2, que eram atualizadas e aplicadas trimestralmente pelo governo, conforme a mutação do vírus que insistia, há décadas, em matar os humanos.

 

P.S.: trata-se de evidente e singela homenagem a Philip K. Dick, cujos escritos inspiraram Ridley Scott nas filmagens de Blade Runner.






2 comentários:

  1. Não singela, mas rica homenagem. Sua escrita sempre merece aplausos. Grande abraço.

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  2. Caríssima amiga Marilene. Que bom tê-la neste cantinho. Saudades. Abraços.

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