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terça-feira, 27 de julho de 2021

Crônica - O Assassinato de um povo

 

O Haiti é um país de belezas naturais tão exuberantes que os franceses a chamavam de A Pérola do Caribe. A região em que se insere foi conquistada por Cristóvão Colombo em 1492 – e bastaram poucas décadas para que os espanhóis dizimassem quase toda a sua população nativa.

Em 1697, A Espanha cedeu o que hoje é o Haiti para a França, que então o colonizou com mãos ferro: a impiedosa escravidão do povo negro foi utilizada no cultivo da cana de açúcar e faz do Haiti uma das mais importantes fontes de renda dos franceses.

Acreditando que o lema liberté, égalité e fraternité se aplicava também aos negros escravizados, Jean-Jacques Dessalines e Toussaint L’Ouverture, ambos descendentes de escravos, lideraram, a partir de 1791, uma série de revoltas contra os europeus, impondo-lhes sucessivas derrotas, primeiro aos espanhóis que pretendiam reconquistar o país, e, em seguida, aos franceses. E foi assim, com muita luta, com muito sangue e com muitas vidas, que os bravos negros tornaram o Haiti independente.

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Graham Greene foi um profícuo romancista; escreveu, também, diversas peças teatrais, contos e ensaios; nasceu num povoado ao norte de Londres, em 1904, e faleceu na Suíça, em 1991. Flertou com o Partido Comunista na juventude e, durante a Segunda Guerra, foi membro do Serviço Secreto Inglês. Greene viajou o mundo, conhecendo as realidades locais e coletando material para as suas obras.

Foi assim que Greene produziu excelentes romances, retratando as realidades sociais e políticas dos países visitados: O Nosso Homem em Havana (em Cuba), O Americano Tranquilo (na Indochina), O Consul Honorário (na região do Rio da Prata), O Agente Confidencial (na Inglaterra), Um Lobo Solitário (Panamá), O Décimo Homem (França) e O Poder e a Glória (México), são apenas alguns exemplos dentro da vasta produção literária do autor em questão.

 Greene escreveu, também, Os Comediantes, obra em que retrata o sofrimento do povo haitiano sob a feroz ditadura do clã Duvalier: François Duvalier, conhecido como Papa Doc e que governou o país de 1957 a 1971, quando faleceu, e seu filho, Jean-Claude Duvalier, conhecido por Baby Doc, que continuou as atrocidades do pai até 1986, quando foi deposto por uma sublevação popular.

Essa dinastia castigou barbaramente o povo haitiano por 30 anos seguidos, espoliando suas riquezas e reduzindo a população do país à miserabilidade absoluta. A guarda pessoal desses ditadores, formada pelos famosos Tontons Macoutes, aterrorizou o país do modo mais violento possível, subjugando e assassinando quem ousasse questioná-los.

Baby Doc foi apeado do poder por uma revolta popular. Desde então o Haiti vem sendo dominado por efêmeros e combalidos governantes e por toda ordem de milicianos, gangues e facções – e sem se falar da valiosa ajuda que recebem de mercenários estrangeiros.

Não bastasse isso, em 2010 o país foi sacudido por um violento terremoto, que matou aproximadamente 200 mil pessoas. Os escombros de casas e prédios até hoje estão à mostra, sem reconstrução; não há saneamento básico, boa parte da população vive em barracas cedidas pela ONU, a fome e as doenças são uma constante.

Não é por acaso que o Haiti é um dos países mais pobres do mundo.

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A propósito das gangues, das milícias e das facções, não há como esquecer da emblemática letra de Gilberto Gil: Pense no Haiti / Reze pelo Haiti / O Haiti é aqui / O Haiti não é aqui.

Enfim, nesse triste cenário, o assassinato do Presidente Jovenel Moïse, ocorrido agora, na madrugada de 07 de julho, não é senão mais uma gota nesse oceano de atrocidades que assola o que resta da Pérola do Atlântico. Ou, por outra, não é o assassinato de um Presidente: é o assassinato arrastado, sistemático, longo, perene e sem fim, do próprio povo haitiano.




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