Me recordo do entusiasmo com que frequentei a PUC São Paulo, entre 1979 e 1985. Foram sete anos de militância política clandestina, na Convergência Socialista, de política estudantil e de boas noitadas. Jamais cheguei sequer perto do que se chama de “aluno brilhante”; porém, nunca carreguei dp e nem tive reprovação na faculdade: é que tanta agitação e curtição não poderiam caber, claro, em apenas cinco anos!
Na efervescência
estudantil da época, o ambiente acadêmico se me apresentava de certo modo
taciturno, ainda impregnado da brutalidade da Polícia Militar de São Paulo que,
pouco antes, em 22 de setembro de 1977, invadira o campus da Monte Alegre para
bater nos estudantes. Dois anos depois, ainda pude sentir o cheiro do gás
lacrimogênio e do sangue dos alunos que ainda pairava no ar.
A PUC São
Paulo foi palco de resistência contra a ditatura. Ali pude conhecer muita gente
interessante: José Dirceu, discreto e ressabiado, Aldo Rebelo, comunista
convicto e antipetista idem, que atrapalhava a nossa luta pela criação do PT e que,
depois, foi Ministro da Defesa no Governo Lula. Assisti palestras do José Genoíno,
recém-chegado da prisão por conta da Guerrilha do Araguaia; ali testemunhei o
primeiro discurso que Paulo Freire proferiu em terras brasileiras no imediato retorno
do exílio. Também conheci José Eduardo
Cardoso, que presidiu o D.A. do Direito e seria Ministro da Justiça da Presidenta
Dilma. Enfim, fui aluno do elegante democrata Franco Montoro, o então Senador
da República que ministrava as aulas mais concorridas do campus.
Em 1980,
suprema conquista, pudemos votar, alunos e funcionários, em eleições diretas
para a Reitoria da PUC – e foi assim que Nadir Kfoury, a tia do Juca, foi a
primeira Reitora eleita democraticamente no Brasil.
Nesses tempos
de chumbo, as obras políticas eram proibidas; nada relacionado com democracia, comunismo,
socialismo, povo, liberdades e afins podia circular. Houve até estudante preso
porque estava com “O vermelho e o negro”, em que Stendhal conta as aventuras amorosas
do seminarista Julien Sorel pela Paris pós-Napoleão.
E quando precisávamos
do Manifesto do Partido Comunista? Ou de algum volume de O Capital? Ou do Literatura
e Revolução, de Trotsky? Ou dos Escritos de Lenin? Quando isso acontecia, a
dica era uma só: procura o Cortez!
O Cortez era
uma figura imponente, alto, cabelos compridos e amarrados em rabo de cavalo, barbas
crespas e óculos de aros redondos; trajava camiseta branca e calça Lee suja e
desbotada. Lá estava ele com a sua indefectível mala, abarrotada de obras, para
todos os gostos da esquerda. De fala mansa, atencioso e gentil, nos fornecia
livros sem nome de editora ou de tradutor, sem data de edição, sem nada que denunciasse
a origem – e que nos eram entregues sorrateiramente, com todas as cautelas
então necessárias.
Apaixonado
pelos livros, Cortez marcou uma época dentre os estudantes universitários; não
havia quem não o conhecesse. E de tão apegado aos livros, por fim, fundou sua
própria editora, que seria consagrada com o seu próprio nome.
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Muito que
bem! Que me perdoe o raro leitor por esta crônica delongada – mas a minha intenção,
de verdade, é prestar uma homenagem, singela, ao querido e já saudoso José
Xavier Cortez, esse potiguar que acaba de partir, aos 84 anos de idade.
Que descanse
em paz, Livreiro Cortez, à sombra da cultura e do conhecimento que espalhou
entre todos nós.
Bela homenagem, caro Ezio! um abraço.
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