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sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Crônica - Monteiro Lobato e o ET de Varginha

 

Diversas pessoas juram que viram, com os olhos que a terra haverá de comer, um ET, nas proximidades de um muro, ao lado dos trilhos da estrada de ferro que corta Varginha, no sul de Minas. Teria sido num anoitecer de janeiro de 1996, apenas alguns meses antes do acaso me levar a residir naquela bucólica cidade.

Ouvi muitas histórias sobre o episódio. Entre cândidos e céticos, nada além do que se costuma ouvir nestas situações. De concreto, ou melhor, de alumínio, constatei apenas a presença de um imenso e brilhante disco voador, que do topo de uma alta coluna ornamenta a praça central da cidade e faz a alegria de turistas e crianças.

Eis que, agora, Varginha volta ao noticiário nacional. Não mais por um suposto ET, mas pela aparição de 26 cangaceiros, regiamente executados. Os cangaceiros do “novo cangaço”.

Seria inacreditável se não fosse por um fato inquestionável: os 26 corpos perfurados a bala. Pura realidade. Não há do que duvidar, nem da letalidade da ação e nem das intenções do grupo, fortemente armado conforme as declarações oficiais. Acreditemos, pois!

O que não dá para aceitar, e que me perdoem os doutores, é a defesa pública da ação policial.  Fico a me perguntar: o que foi feito do devido e justo processo legal, de que tanto falamos? O que foi feito do “processo como movimento em contraditório”, asseverado por Fazzalari? O que foi feito, aliás, do contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente garantidos? O que foi feito do Estado Democrático de Direito?

Custo a acreditar no que tenho lido. Dizem que mereceram morrer, muito embora, ao menos enquanto escrevo, quatro mortos ainda sequer foram identificados; de outros já se sabe que não tinham passagem alguma pela polícia e de nada foram formalmente acusados.

Imagino que as autoridades, oniscientes e onipresentes, denunciaram o grupo a si próprias, investigaram, indiciaram, coletaram provas, avaliaram as provas, julgaram os réus e executaram a pena (de morte) imposta em sua própria sentença. Dá-lhe economia processual! Dá-lhe celeridade processual! Dá-lhe efetividade da decisão!

Lembro, não por acaso, que a historiografia brasileira registra a ação das “Volantes”, contingentes que se embrenhavam pelo sertão nordestino para matar cangaceiros, até os anos 1930, aproximadamente. As Volantes eram formadas por policiais da ativa e por moradores do agreste. Portavam armas das corporações e eram comandados por um oficial do exército ou por um delegado de polícia. Nada de clandestino, portanto.

   Pois a história se repete. E não ficarei surpreso se brevemente avistar uma viatura policial, brilhante e colorida, colocada no alto de imenso pedestal como homenagem aos bravos volantes da nossa atualidade – e bem ao lado do disco voador da praça central da cidade.

 

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Monteiro Lobato escreveu em seu diário, reproduzido no livro “Mundo da Lua”: “A ideia de justiça é criação puramente humana. Na natureza não há justiça, há lógica. A natureza não é boa nem má, justa ou injusta: é lógica. Vai ao fim cegamente colimado através de todos os óbices – e vai sempre pelo caminho mais curto. A linha curva é invenção humana. Fora do homem, há o ponto de partida, o ponto de chegada e a reta que os une”.

Tenho dúvidas se o autor paulista criticava o direito curvo; talvez sim. Mas de uma coisa tenho certeza: os homens estão voltando a adotar o direito reto, tal qual os animais na natureza.






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