Quando adolescente eu vibrava com as viagens de serviço que fazia, vez ou outra, para a capital paulista. Vestia o que tinha de melhor - e que não era muita coisa. Calça boca-sino, bordô ou algo bem parecido, agarrada nas pernas e que depois se abria, súbito, cobrindo os sapatos sem encostar no chão. Sapatos bicolores, preto e branco, sola-plataforma e com salto carrapeta, madeira à vista. Na moda.
Uma ou duas da tarde, quando muito, com
o serviço terminado, saia pelo centro da cidade para fazer meus passeios. Saia
sozinho, correndo para ninguém me acompanhar. Vou até a esquina e já volto.
Comprar cigarro. Os colegas ficavam no escritório da empresa, na Rua Boa Vista,
preparando a viagem de volta.
A primeira coisa que fazia era espiar, de longe e timidamente, as mocinhas nas esquinas, convidativas e ao mesmo tempo temidas aos olhos inexperientes. Depois as bancas de jornais e charutarias, em busca de selos. Avenida São João, Barão de Itapetininga, Sete de Abril. Galerias. Tinha fascinação pelos selos do leste europeu. Procurava particularmente os soviéticos, mais sóbrios; certa feita encontrei duas séries completas, uma da antiga DDR - República Democrática da Alemanha, com figuras da corrida espacial de então e outra da Hungria, com motivos enxadrísticos. Neles eu empregava as minhas parcas economias.
Certa vez desfilava o meu salto
carrapeta pela Praça do Patriarca. Ia desviando dos buracos do calçadão. Pedras
portuguesas, faltando uma aqui, outra acolá. Opa! pisei num vazio. Meu pé
direito afundou. Ora, vamos, o que é isso, um buraco! Dou outro passo e meu pé
afunda de novo. De novo? Quanto buraco. Presta atenção senão vai cair e tal e
coisa. Mais um passo e um terceiro buraco. Espera. Assim não. Olhei para trás e
não vi buraco algum. Vi apenas o salto carrapeta despregado e largado, lá atrás.
Parado, imóvel, olhando para mim. Que situação! Que faço agora? Dinheiro para
comprar outro, nem pensar! Eis que num cantinho, ali perto, achei um sapateiro.
Que sorte! Um pé calçado e outro não, ele rindo da minha cara. Botou uma cola
mágica, uns pregos. Restabeleceu meu sapato em alguns minutos. Alívio.
Naquele dia voltei feliz pra casa. E
com os selos soviéticos, que só eu tinha.
Os selos ainda estão numa pasta azul, junto com milhares de outros exemplares da época. E na memória está a angustia repentina do salto carrapeta despregado, que quase foi ficando pelo caminho.
Saudades de Sampa! Belos selos!
ResponderExcluirObrigado, Bernadete. Sampa, nossa velha conhecida. Beijos, meu amor.
ExcluirBjos, meu amor e companheiro!
ExcluirParabéns Ezio....que delícia de leitura .....bjo
ResponderExcluirDeixei um comentário no face e o transcrevo aqui rss. Ezio, que delícia de leitura! As crônicas me agradam quando são leves, mostram uma viagem ao passado, exploram acontecimentos que a memória guardou, como a sua. As palavras fluem com naturalidade e vivemos, junto com o autor, a experiência. Abraço.
ResponderExcluirMuito obrigado, Marilene, minha grande e querida amiga. Gosto, né, reviver essas coisas boas... Um grande e carinhoso abraço para você, Marilene.
ExcluirMais uma saborosa crônica. Essa me leva ao passado, minhas andanças pela São João, Ipiranga, 7 de Abril, Viaduto do Chá, Arouche e o Pingão vez ou outra.
ResponderExcluirUma inesquecível pizza no Giovanni, na República, na companhia da minha eterna namorada. Parabéns!
Obrigado, Santino, pela vinda. Sim, o centrão de São Paulo com o seu inigualável charme. Sempre que posso, passo por lá. Abraços.
ExcluirMuito bom o testo mestre!!!
ResponderExcluirtexto, foi o Marinheiro que escreveu
Excluir