Bugre era o apelido carinhoso de um vizinho na minha infância. Sua aparência física, rosto imberbe, a voz aguda e a (bonita) cor da pele justificavam a alcunha. Descendia dos caingangues, creio, que habitaram a região até o final dos 1800. Homem de fibra, traços fortes, de afável e educado trato, sobrevivia de aposentadoria após ter trabalhado na antiga Sorocabana. Na manutenção dos trilhos, percorria longas distancias pela zona rural, onde a vegetação nativa ainda estava preservada.
Suas origens
familiares, suas vivências e as andanças pelas matas permitiram-lhe acumular
conhecimentos tais que o transformaram de benzedor respeitado em um importante curador.
Sua fama cresceu; as poções e os unguentos receitados despertaram atenções. Chamou
tanta atenção que acabou tendo problemas com um Dr. Delegado de Polícia que,
respeitosamente, chamou-o certo dia para lhe falar sobre o exercício ilegal da
medicina e suas consequências. O Bugre, cheio de juízo, passou a ter mais
cuidado e deixou quase que totalmente de lado a prática medicinal – para alívio
dos farmacêuticos, que se livraram da concorrência.
Passou,
então, a atender apenas pessoas de confiança e amigos mais próximos Lembro-me
dele entrando nas matas ao redor da nossa casa; colhia galhos, folhas, raízes e
arbustos delicadamente. Enfeixava-os e voltava para a casa, mas não sem antes dar
uma olhadela na sua roça de mandioca, que garantia o sustento da família.
Naquela época
era comum as pessoas mais idosas padecerem de “ferida na perna”. Muitos não
podiam trabalhar por conta disso: sentados nas calçadas da rua XV de novembro,
calça arregaçada até os joelhos, esmolavam. Nesse mesmo tempo, uma pessoa da nossa
família, muito idosa, padecia dessa doença. Médicos da região foram consultados:
Bauru, São Manuel, Botucatu, Jaú – atravessando o Tietê de balsa em carro
alugado –, muitas foram as buscas de tratamento, sempre em vão.
Poucas esperanças,
amputação à vista, eis que alguém lembrou do Bugre. Ouviu a história e prometeu
ajuda. Dias depois ele nos entregou algumas ervas, dizendo mais ou menos assim:
“Nos pastos tem muito gado sadio, bem tratado. Pegue uma lata de bosta, das bem
secas, misture com água e ferva junto com essas plantas. Banhe o ferimento por três
dias. Reze um Pai Nosso e três Ave-Marias depois de cada banho. Enxugue o local
e descanse a doente. Mas faça em segredo, por favor, que o delegado e o
farmacêutico não podem saber disso”.
Valor da
consulta? Nada. Nunca cobrava de ninguém. Tempos depois, a perna da anciã já totalmente
curada e sem cicatrizes, soubemos que a tal ferida era a Erisipela.
Que maravilha de crônica Ezio....me fez lembrar do Árvico, um cvelho sr tinha uma boticário e curava tds que a ele procura n a cidade d e Cambuí Minas
ResponderExcluirBotica
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