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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

domingo, 11 de dezembro de 2022

Crônica - Balada para un loco

 

As tardezinhas de Buenos Aires têm essas coisas ... sei lá o que, sabe? De repente alguém sai pelas ruas e se vê a si próprio surgindo de trás de uma árvore: mescla rara de astronauta que voltou de Vênus e acróbata que tem as rosas da camisa desenhadas sobre a própria pele; meia melancia na cabeça, meia-sola nos pés, o semáforo da esquina lhe saúda com luzes celestes.

Louco! Louco! Louco! Já sei que estou louco! Louco! Louco! Vejo a lua que vai rodando pela calle, um corso de astronautas que segue bailando uma valsa com as crianças alegres. Louco! Louco! Louco! Vejo-te triste a um canto; venha, querida, venha comigo. Me aceite como louco que sou. Venha, vamos voar, vamos cantar pelas ruas seguindo as andorinhas e rodando sem parar. Venha, vamos inventar o amor!

Veja como nos aplaudem! Viva! Viva! Viva! No Vietnã nos aplaudem, a vendedora de laranjas na calçada nos aplaude. Me queira assim, minha querida, me queira assim louco! Louco! Louco! Vamos gozar a mágica aventura de viver! E voar, voar, voar.

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Balada para um loco é uma das preciosidades de Astor Piazzola e Horácio Ferrer, de 1969. Ouvi pela primeira vez na voz impagável de Moacir Franco, (https://www.youtube.com/watch?v=Dih3lgIo-mg). Misto de ator, cantor, compositor e comediante, um talento nato, Moacir Franco expressa toda a loucura que emana da música: ri, ri um riso estridente tal como um louco riria, chora, melancólico, no reconhecimento da loucura – e dança, e roda, e grita viva o amor, viva! Viva! Viva!

A interpretação do próprio Astor Piazzola, com seu inseparável bandoneón, e a voz portentosa de Roberto Goyeneche é bem apropriada para o clima que música e letra requererem dos intérpretes (https://www.youtube.com/watch?v=k7VbmmAtVxo). O fato de tê-la composto, talvez, permite-lhe dar à música a completa noção da loucura que se apodera do personagem, com suas dores desvairadas de alegria dançante. Todos eles, Moacir, Astor e Goyeneche, são capazes de expressar de modo marcante, com vozes graves, potentes e límpidas, o desfile do louco que precisa da correspondência da sua amada nas ruas de Buenos Aires.

Agora recente tive a oportunidade de ouvir a interpretação de Diana Amarilla e, enfim, me rendi ao que de melhor, acredito eu, se pode extrair desse tango (https://www.youtube.com/watch?v=A0rmED4ah5s): o acompanhamento do piano vibrante de Irina Morillo dá o toque dramático e fundamental para o gênero musical: cada nota de Irina é como se fosse uma punhalada no bom senso, um golpe certeiro e presto na razão – da voz e do piano sobressai a dramaticidade plena desejada por Astor e Ferrer.

Assim eu deixo aqui a minha homenagem, embora modesta e apagada, para o meu amigo Lucas Cozzani (voz) e para Valderez Medina Ferreira (piano), dois artistas nada modestos e muito brilhantes, diga-se, (https://www.youtube.com/watch?v=yna4lLzzqPo), que me deram o prazer da audição desta louca balada no primoroso Dos en concierto. Mais que isso, Lucas e Valderez levaram, com maestria, minha duvidosa lucidez para um gostoso passeio pelas ruas e cabarés de Buenos Aires.

2 comentários:

  1. Belíssima crônica Ezio, sempre fã de Astor Piazzola e vc nos transporta prô cenário como fosse "agora". Maravilha.

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