Na quarta-feira passada o sol apareceu cedo, escancarado, em contraste com a sisudez chuvosa dos últimos dias. Era quarta-feira de cinzas. As minhas cinzas sabáticas, ao meu modo. Tomei preguiçosamente o café da manhã, um gostoso e cheiroso café preto. Um pão com manteiga na frigideira de desjejum. Li apenas as frivolidades das redes sociais, sem pressa e sem maiores atenções. Passei ao largo das notícias mais sérias. Foi um dia de nada fazer além das necessidades básicas: um almoço trivial, de rápido e simples preparo, coisas do tipo. E retomei de um só fôlego a metade final que me restava para concluir de O Talentoso Ripley.
Nos rastros desse americano perigosamente talentoso, traçados com habilidade por Patricia Highsmith, vadiei por algumas regiões da Itália. Foram de muito gosto as andanças por Veneza - especialmente pelos seus canais, balançando ao movimento das gôndolas e apreciando o casario que brota das águas do Adriático. Aportei e embarquei na Praça São Marcos ao menos duas vezes, junto com Tom Ripley. Sim, um rapaz de talento, hábil e ágil na pratica de pequenos golpes e capaz, num extremo de horror, de dois violentos assassinatos.
Enfim, aproveitei bem a quarta de
cinzas: terminei o livro - excelente, por sinal. Apenas fiquei sentido por uma
coisa: Ripley não foi até San Donà de Piave, ali mesmo na região, terra dos
meus nonos maternos. As ruas dessa outrora bucólica cidade italiana eu tive
oportunidade atravessar, tempos atrás, apenas uma vez e apenas de passagem, na
companhia de Ernest Hemingwey. Naquela ocasião, as colunas de combatentes dos
exércitos aliados se retiravam dos campos de batalha, em marcha dura, penosa, sofrida,
ao final da Primeira Guerra, numa das narrativas primorosas de Adeus às
Armas.
Quarta de cinzas. Dia sabático. Dia preguiçosamente gostoso
e proveitoso. Propício, inclusive, para, no fim da tarde, preparar os próximos caminhos das minhas jornadas literárias: acompanharei, logo mais, os passos de Formosante e Amazan, às margens do Ganges, em A Princesa da Babilônia, de
Voltaire.
Quarta-feira muito bem saboreada.
ResponderExcluirE que resultou nesse texto leve, agradável e deliciosamente preguiçoso, como convém a um final de feriadão.
Sim, deliciosamente preguiçoso, é verdade. Grande abraço, meu irmão.
ExcluirTexto perfeito! Viajei junto.
ResponderExcluirAh! San Dona di Puave… Sonho que vai ficando para trás! Não poderia ser mais feliz essa citação que enriquece ainda mais essa crônica.
ResponderExcluirEntão, Célio, o tempo vai passando e vamos deixando de realizar nossos intentos. San Dona vai ficando na história. Abraços, meu irmão.
ExcluirCF…
ResponderExcluirQue delícia de crônica, Ezio! Leve e encantadora. Essa obra, "O Talentoso Ripley", é de fato muito boa. E ainda lhe permitiu viajar... Gostei imenso. Abraço.
ResponderExcluirObrigado, Marilene. A literatura nos permite essas viagens para os mais diversos lugares - e sem sair de casa, o que não deixa de ser muito bom também. Grande abraço, minha querida amiga.
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