Foi em janeiro de 1984 que fiz minha primeira viagem de percurso mais longo, desde São Paulo até Porto Alegre. Dezoito horas de ônibus, um pouco mais, talvez. Em Caminhei legal pelas ruas centrais da cidade. Na região do gasômetro, no centro antigo, comia apfelstrudel, num dia; no outro dia, atravessava o Parque da Redenção, entre seus aprazíveis lagos, para alcançar a Venâncio Aires, rua de excelentes confeitarias.
Abro parêntesis para um detalhe: na
volta desta primeira viagem, cheguei a SP a tempo de compor, com mais de 300
mil pessoas, o Grande Comício pelas Diretas-já, que se deu na Praça da Sé em 25
de Janeiro de 1984. Fiquei bem ao lado do palanque principal, próximo de
algumas figuras marcantes da vida democrática brasileira.
Retomando o tema, peguei gosto pelas
viagens e pelas terras do sul, tanto que para lá voltei outras duas vezes. Três
viagens, uma no verão e outras duas no inverno.
Foram várias incursões para o
interior do estado. Em Bento Gonçalves, me extasiei com a espessa neblina que, sem
aviso, cobria a cidade e logo depois se dissipava. Conheci Passo Fundo, em noites
agradáveis: cidade de clima ameno, com típicas casas de madeira – e foi numa
delas em que me hospedei, num bairro periférico.
Descobri que o verão também castiga o
sul. Em PA, situada a não mais que quatro metros acima do nível do mar, embora
dele distante cento e poucos quilômetros, montanhas retêm o mormaço que vem do
leste, por dias a fio. Nem uma única folha se move. Depois, optei por voltar no
inverno, preferindo o frio. Assim foi em agosto de 1984, mês de inverno
rigoroso. E, que lástima: voltei para SP no dia 23 daquele mês e, no dia
seguinte, 24 de agosto, nevou na cidade, fenômeno que não ocorria ali há 70
anos... Foi o mais próximo que estive de uma nevasca.
Na minha última ida ao RS já não
estava sozinho. Ber e eu nos divertimos muito: Redenção, churrascarias,
caminhadas pelo cais. E uma noitada no extinto Tio Flor, restaurante de shows
gaúchos e de comidas típicas dos pampas – do arroz de ovelha, único e
inesquecível, ainda tenho o gosto pregado na boca.
Certo dia, incautos, nós dois subimos
a serra: em Caxias do Sul ficamos seriamente congelados. Nem o café fumegante
da Casa de Pedra do Imigrante nos aquecia. Botas e meias de lã pouco
resolveram. Foi só em Bento Gonçalves que os bons vinhos do lugar amainaram
nosso sofrimento. Depois, uma semana em São Francisco de Paula, num chalé da
zona rural, de onde íamos diariamente para Gramado, de ônibus, (re)descobrindo
o chucrute e outras delícias, como o chocolate do lugar. Para Canela, esticamos
também uma ou duas vezes.
Numa tarde fria de domingo, deu-se um
fato que não se apagará jamais da minha memória: ficamos algumas horas sentados
às margens do Guaíba, contemplando, absortos e embevecidos, toda a imensidão
das águas do estuário. Uma brisa leve e gelada conferia a placidez adequada
para o momento. Ber e eu, só nós dois, calados, deliciados com a exuberância do
lugar. O sol se pôs lentamente no horizonte. Uma tarde sublime, de enlevo
único. Vez em quando, ainda nos pomos a recordar esta viagem, que foi muito
gostosa.
Obs: no total das três andanças, foram mais ou menos 8.200 quilômetros rodados, de ônibus, conforme me informa o google.
Como dizem o Kleiton e o Kledir..." deu prá ti, vou prá Porto , e bah... tri legal, paralelo 30......"" . Cada cidade tem uma certa "magia", a viagem no tempo nos trás de volta esse clima.
ResponderExcluirObrigado, Santino Frezza. É mesmo, tri legal. Gostei muito de Porto Alegre, cidade plana e com excelente traçado de ruas.
ExcluirTão bom guardar recordações assim, ainda mais em perspectiva na linha do tempo...
ResponderExcluirAgradeço pelo passeio, esta crônica é muito sugestiva e cheia de imagens, envolvente.
:~)
Obrigado, Clarice Villac. Foram excelentes viagens; sempre proveitosas.
ExcluirEzio, não conheço o sul e você me proporcionou uma viagem, adicionando o que narrou ao que outros já me falaram . Associo aquela parte do país a muito frio rss, o que não me agrada.Eu já estava em São Paulo em 1984 e não me lembro da neve. Nossa, senti frio demais quando estava na faculdade. Era tudo muito novo e desconhecido para mim. As lembranças sempre nos acompanham, notadamente as que nos trouxeram beleza e encantamento. É muito agradável ler o que escreve. Grande abraço.
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