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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Crônica - Tardes de inverno

 

Tardes de inverno inesquecíveis são as que passei com o Vô Zé Pedro, na Grotinha, bairro da zona rural de Estiva/MG. Aos sábados, depois de um cochilo rápido do pós-almoço, lá ia eu caminhando ao pé das cordilheiras que, uma de cada lado, guardam a estradinha de terra batida que leva até a casa. Duas altas e imponentes cordilheiras que por ali vão se fechando, pouco a pouco, até formarem o vértice de um triângulo. Bonito caminho, aquele. Retardava o passo só para apreciar a paisagem. De baixo para cima, até onde a vista alcançava.

Vô Zé Pedro, já bem idoso, cabecinha branca e de ralos cabelos, passava as tardes num ranchinho, misto de paiol e de cozinha, isolado, nos fundos do quintal da casa. Entre a casa e o rancho, um regato de águas frias, correndo soltas até o rio Três Irmãos.

 Fogão de lenha sempre aceso. De longe se via a fumaça subindo da chaminé. Sentando num banquinho, equilibrando sobre a taipa, Vô Zé Pedro requentava os pés, sem tirar as botinas surradas. Na chaleira, o fumegante café que ele passava. Do cigarrinho de palha rescendia o olor do melhor fumo, picado com vagarosa cerimônia. Eu preferia o meu Marlboro, pois que não tinha peito para coisa mais forte. O café eu não dispensava, que igual não tinha.

Fala suave, gestos tranquilos. Longas conversas, até o escurecer. A mulinha, danada, que apertou o passo de repente; não deu tempo de se curvar e um galho da árvore lhe deixou um sulco admirável no cocuruto. O descuido ao enterrar um bezerro; mais pesado do que pensava, arrastou-o para dentro da cova. E quase que o animal ainda lhe cai por cima. Teve que chamar socorro. Contava e ria. Ria gostoso.

Contava também do catingueiro, já de bom tamanho, que comia milho direto na mão. Descia da mata, do alto da montanha. Vinha pelo pasto, passava pelo vão da cerca de bambu. Na porta do ranchinho, se fartava de uma ou duas espigas que o Vô lhe segurava. Deixava o sabugo limpo. Bebia do regato, aceitava um cafuné e depois voltava para a mata. Quase todas as manhãs.

Pescador traquejado, Vô Zé Pedro me presentou com uma varinha delicada. Para pesca de lambari. Cortou o caniço, tirou ramos e galhos com o inseparável canivete de cabo de osso. Pendurou no beiral do rancho, com um tijolo servindo de peso na ponta. Para deixar esticadinha. Tratou com sebo de porco. Passou pelas labaredas. Arcou para lá e para cá, até ficar flexível. Vinte dias ou mais para ficar pronta. No capricho: melhor impossível.

Isso foi nos anos 1980. Hoje o sítio tem novos donos. A casa foi reformada, fizeram algumas modificações. Ao menos é o que dizem, pois que há tempos não passo pelo lugar.





3 comentários:

  1. Uma leitura deliciosa, Ezio. Impossível não fazer o passeio com você
    e sentir o prazer que ele lhe proporcionou. "Ria gostoso", você disse, próprio de quem na simplicidade se sente feliz. Abraço.

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  2. Uma crônica tão rica de imagens e sentimentos, sensações...
    Parabéns pelo registro, histórico e bonito.

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  3. Parabéns, Ezinho. Crônica tão bela quanto aquele local que uma única vez visitado fica para sempre na memória.

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