Das mesas em frente aos bares da Passarela do Álcool, em Porto Seguro, se avista um lindo mar esverdeado, em cujas águas calmas o olhar de quem o contempla navega livremente, até aos mais distantes limites que o imaginário pode alcançar. É um cenário perfeito para um gostoso fim de tarde de verão. O corpo queimado, com vestígios do sal das praias do Arraial D’Ajuda, a travessia de balsa pelo Buranhém. Um prato de lambretas ao molho vinagrete, uma cerveja gelada e a imaginação correndo solta, tudo na mais pura solidão em meio a hippies e descolados de todas as línguas.
No crepúsculo de 28 de fevereiro de 1986,
surpreso, não pude pagar a conta do bar com cheque, pois, disse o proprietário,
“não sei como vai ficar esse negócio de Plano Cruzado, de quantos zeros tem que
cortar, essas coisas. Agora, pagamento só em dinheiro, porque o cruzeiro ainda
está valendo”. Foi então que soube da novidade, o tal negócio do Cruzado. O
resto é história: congelamento e tabelamento de preços, desabastecimento dos
mercados, caça aos bois no pasto e outras insanidades mais. E o Sarney parando
na entrada de Lençóis, para saudar a terra do Orígenes.
Paga a conta, nota sobre nota, fiquei ali mais um tempo, esperando o Jornal Nacional para saber o que tinha acontecido com o nosso país. Admirando o horizonte que se descortinava para o infinito. Logo ali depois da amurada, o longo e vistoso cordão, formado pelos recifes de corais, é brevemente interrompido como que de propósito, a permitir a passagem das escunas e outras pequenas embarcações. Um verdadeiro porto seguro.
Enquanto o noticioso global não
vinha, meus pensamentos vagaram pelas terras lusitanas. Lembrei das léguas a
nos separar, tanto mar, tanto mar; e também que é preciso, pá, navegar,
navegar... Pelas narinas me entraram a inebriante maresia e um cheirinho de
alecrim; egoísta, almejava um velho cravo para mim.
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Na versão original, Tanto Mar era
assim:
Sei que estás em
festa, pá
Fico contente
E enquanto estou
ausente
Guarda um cravo para
mim
Eu queria estar na
festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
alguma flor
No teu jardim.
Sei que há léguas a
nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é
preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
algum cheirinho
De alecrim
É como foi gravada pelo Chico, em
Portugal. Por aqui, onde o cravo ainda havia desembarcado, a censura militar vetou
a letra, que foi reescrita tal como conhecemos.
Me recordo dos dois fatos históricos: Plano Cruzado e Revolução dos Cravos.
ResponderExcluirBela, sugestiva e oportuna crônica!
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