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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Crônica - Parto secreto

Nasci em domicílio, está lá na minha certidão de nascimento. Nasci em casa, pelas mãos de uma parteira, que era assim que se nascia no meu tempo. Foi por volta das nove horas da manhã. Eu sempre soube do meu nascimento em domicílio porque é assim que está no registro civil; porém, nunca ouvi maiores detalhes sobre a minha vinda ao mundo.

Só recentemente o meu irmão Santino me trouxe algumas luzes. Parece que o trabalho de parto foi longo e doloroso. Um entra e sai inusitado no quarto da minha mãe. Mulheres andavam pela casa, apressadas. Havia choro e gemidos.
Meu irmão, criança na época, não entendia nada do que se passava. Não sabia do estado interessante da mãe. E não era mesmo para saber; não se contavam essas coisas para criança, era assunto de adulto. Pelo costume, os filhos não se davam conta da gravidez da mãe, certamente disfarçada por roupas largas e sabe-se lá por quais outros artifícios. Ignorava-se, simplesmente, a barriga que se avolumava e a possibilidade de um novo membro na família.
Daquele evento, ele guardou os rumores estranhos e assustadores, a que assistiu calado. Depois, mais tarde, na rua, por mero acaso uma vizinha lhe perguntou se a mãe estava passando bem. Meu irmão, ainda impressionado com a movimentação ocorrida poucas horas antes, confuso e assustado com a presença de tantas mulheres desconhecidas; panos, trapos e bacias de água quente para todos os lados, ele, desolado, abatido e triste, respondeu que achava que a mãe estava muito mal, estava muito doente mesmo. Resposta inocente e pura, de quem não conhecia as coisas da vida, mas que apavorou a vizinha curiosa; ela, sabedora do bebê que nasceria nos arredores, coitada, inocentemente foi levada a acreditar que o parto se complicara por alguma intercorrência e que a morte da minha mãe era só questão de horas.
Dois ou três dias se passaram sem que o Santino tivesse notícias da nossa mãe, que continuava no quarto, fechada. A casa andava em silêncio total, não havia mais correria de mulheres; elas foram embora tal como vieram naquela madrugada, sem alarde.  Do pai, nenhuma palavra sobre os últimos acontecimentos, como se nada tivesse acontecido. Panos, trapos e bacias sumiram, tudo estava arrumado adequadamente, como de costume. Apenas o silêncio reinava na casa; nada se ouvia sobre o que se passava dentro do quarto, nenhuma explicação para a ausência da mãe. Meu irmão, aflito e cada vez mais preocupado, só fazia imaginar uma piora no estado de saúde dela e já estava descrente de tornar a vê-la outra vez com vida.
Eis que numa manhã, três ou quatro dias depois, para surpresa do meu irmão, a mãe aparece na sala, de repente. Tinha ares de cansada, mas estava alegre e com um bebê no colo – e foi assim que eu, sem maiores formalidades, fui apresentado para a família naquele remoto mês de outubro.

3 comentários:

  1. Bela crônica, envolvente e nos traz a perspectiva da criança que presenciava os assuntos vitais sem as devidas explicações... um texto que ressoa questionamentos, costumes, imensidões...

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    1. Clarice Villac, é uma honra recebê-la aqui! Muito obrigado pela visita e pelas preciosas observações. Como leitor do seu https://cantinholiterariososriosdobrasil.wordpress.com/, sei o quanto valem sua arte e as suas palavras. Um grande abraço.

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  2. Gracias, esses passeios pelos universos das escritas nos levam longe !
    :~)

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