Nasci em domicílio, está
lá na minha certidão de nascimento. Nasci em casa, pelas mãos de uma parteira,
que era assim que se nascia no meu tempo. Foi por volta das nove horas da manhã.
Eu sempre soube do meu nascimento em domicílio porque é assim que está no
registro civil; porém, nunca ouvi maiores detalhes sobre a minha vinda ao mundo.
Só recentemente o meu
irmão Santino me trouxe algumas luzes. Parece que o trabalho de parto foi longo e doloroso. Um entra e sai inusitado no quarto da
minha mãe. Mulheres andavam pela casa, apressadas. Havia choro e gemidos.
Meu irmão, criança na
época, não entendia nada do que se passava. Não sabia do estado interessante da
mãe. E não era mesmo para saber; não se contavam essas coisas para criança, era
assunto de adulto. Pelo costume, os filhos não se davam conta da gravidez da
mãe, certamente disfarçada por roupas largas e sabe-se lá por quais outros
artifícios. Ignorava-se, simplesmente, a barriga que se avolumava e a
possibilidade de um novo membro na família.
Daquele evento, ele
guardou os rumores estranhos e assustadores, a que assistiu calado. Depois,
mais tarde, na rua, por mero acaso uma vizinha lhe perguntou se a mãe estava
passando bem. Meu irmão, ainda impressionado com a movimentação ocorrida poucas
horas antes, confuso e assustado com a presença de tantas mulheres
desconhecidas; panos, trapos e bacias de água quente para todos os lados, ele,
desolado, abatido e triste, respondeu que achava que a mãe estava muito mal,
estava muito doente mesmo. Resposta inocente e pura, de quem não conhecia as
coisas da vida, mas que apavorou a vizinha curiosa; ela, sabedora do bebê que
nasceria nos arredores, coitada, inocentemente foi levada a acreditar que o
parto se complicara por alguma intercorrência e que a morte da minha mãe era só
questão de horas.
Dois ou três dias se passaram
sem que o Santino tivesse notícias da nossa mãe, que continuava no quarto,
fechada. A casa andava em silêncio total, não havia mais correria de mulheres;
elas foram embora tal como vieram naquela madrugada, sem alarde. Do pai, nenhuma palavra sobre os últimos
acontecimentos, como se nada tivesse acontecido. Panos, trapos e bacias
sumiram, tudo estava arrumado adequadamente, como de costume. Apenas o silêncio
reinava na casa; nada se ouvia sobre o que se passava dentro do quarto, nenhuma
explicação para a ausência da mãe. Meu irmão, aflito e cada vez mais preocupado,
só fazia imaginar uma piora no estado de saúde dela e já estava descrente de
tornar a vê-la outra vez com vida.
Eis que numa manhã, três
ou quatro dias depois, para surpresa do meu irmão, a mãe aparece na sala, de
repente. Tinha ares de cansada, mas estava alegre e com um bebê no colo – e foi
assim que eu, sem maiores formalidades, fui apresentado para a família naquele remoto
mês de outubro.
Bela crônica, envolvente e nos traz a perspectiva da criança que presenciava os assuntos vitais sem as devidas explicações... um texto que ressoa questionamentos, costumes, imensidões...
ResponderExcluirClarice Villac, é uma honra recebê-la aqui! Muito obrigado pela visita e pelas preciosas observações. Como leitor do seu https://cantinholiterariososriosdobrasil.wordpress.com/, sei o quanto valem sua arte e as suas palavras. Um grande abraço.
ExcluirGracias, esses passeios pelos universos das escritas nos levam longe !
ResponderExcluir:~)