O pai dela era
marceneiro, dos bons. Fazia os móveis da casa e ainda presenteava os filhos, no
casamento, com uma cama confortável e de cabeceira ricamente entalhada a
formão. Veio moço da Itália, para conhecer a América, com alguns parentes. Só
voltaria uma vez para a terra natal: para se casar com a noiva que ficou
esperando e para obter a dispensa do Exército Real. Depois disso, muitas cartas,
que se perderam no tempo.
Aos 17 anos,
órfã de pai e mãe, herdou os afazeres da casa e o cuidar das roupas dos irmãos
mais velhos. Quanto forno que varreu! Quanto pão que assou! Quantas vezes levantou
de madrugada para fazer comida dos irmãos mais velhos!
Passou a
infância e a mocidade num sitio, com muitas carências e necessidades. Com medo
do escuro, aprendeu a contar os ciclos da lua para esperar a cheia que clareava
a sua noite. Os fantasmas da mata povoaram a imaginação. Só mais tarde é que
foi morar na XV de Novembro, a principal da cidade. Casa em ordem, rumava para
a marcenaria dos irmãos, que seguiram o ofício do pai: ali, empalhou muita
cadeira, que carregava, em pilhas, nas costas.
Casou-se com
21 anos e acompanhou o marido, de volta para a roça. A tulha do sogro se
transformou na primeira moradia do casal. Depois, mudou-se para um casebre com
chão de terra batida, de frestas largas nas paredes de madeira. Quis o destino
que, ao voltar, enfim, para a cidade, fosse morar na Vila Mamedina,
recém-aberta, tendo uma imensa mata virgem como vizinhança.
Da filha, que morreu logo ao nascer, nunca falou e nem permitiu que falassem. Foi
mãe zelosa de outros cinco; gabava-se de vê-los unidos.
Nunca foi a
um cinema. Numa única vez, entrou num teatro, mas não se lembraria disso algum
tempo depois. As compras do cotidiano eram feitas pelo marido, que rodava a
cidade com uma carrocinha de entrega de lenha e de carretos. Cuidou da casa e do
marido; criou os filhos com mãos firmes. Os passeios eram escassos: visitava os
sogros nas noites de domingos; vez ou outra, também visitava algum irmão. No
mais, nunca ia nem até à esquina.
Cosia as roupas da família, lavava e passava. Na cozinha ampla, deixava um poço à disposição de quem quisesse; abasteceu de boas águas, frescas e cristalinas, uma parte da cidade durante muitos anos.
Foi uma vida dura, de privações. E também de alegrias. Confortou e foi confortada, até os seus 96 anos de idade. Na madrugada do último dia 18 de janeiro, semana passada, ela partiu. Partiu serena e sem reclamações. Creio até que ficou com inveja do Luiz Vieira, o menino passarinho, que vontade de voar – e voou.
Incrível a capacidade de transmitir tantas emoções, ricas em detalhes e ditar com carinho a fresca despedida. Meus sentimentos.
ResponderExcluirMuito obrigado, meu amigo Welington Mafra, pela leitura. Um grande abraço.
ExcluirPerfeita síntese de quase um século de vida. Emoção do início ao fim.
ResponderExcluirObrigado, Santino, pela visita ao blog e pelas dicas.
ExcluirMarcas, lembranças, história de uma vida bem vivida e ensinada às demais gerações.
ResponderExcluirObrigado, Regina, pela visita ao blog. Sim, uma vida longa, cheia de bons exemplos. Ficará inesquecível para as próximas gerações. Abração.
ExcluirExcelente Ezinho. Bonita vida e bonita crônica.
ResponderExcluirMuito agradecido pela vinda ao blog. Um grande abraço.
ExcluirA força e o encanto de uma vida! Grande abraço, caro Ezio.
ResponderExcluirCaro amigo, Marco Antônio Bin, que saudades, cara! Um forte abraço para você.
ExcluirA riqueza é grande quando abraça a simplicidade e foi com ternura e sensibilidade que você a traduziu. Quase um século de dedicação e de louvável doação. "confortou e foi confortada", você mencionou, e vejo nisso uma preciosidade. Abraço.
ResponderExcluirFoi uma vida e tanto, Marilene.Muitas privações, muito trabalho; e também alegrias, sorrisos, compartilhamento. E tudo isso nos deixa uma saudade imensa, sem tamanho.
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