Postagem em destaque

Sobre o Blog

Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Crônica - Marcha para oeste

Quando criança, conheci o Bugre, Seu Joaquim. De fala mansa, poucos dentes na boca, barba branca e rala, dominava as densas matas que davam limites à Vila Mamedina. Percorria as trilhas em busca de ervas medicinais e com elas curava toda sorte de males e doenças da vizinhança. Curou a perna da minha nona, que médico nenhum dava conta; só não deu jeito de curar o netinho, João: o infeliz garoto morreu de tétano, que ninguém nem sabia direito o que era.

Bugres eram todos os índios, no pejorativo dado pelo branco. Fico pensando se Seu Joaquim era um kaingangue. Pode ser que sim, era uma grande nação que habitava a oeste de Lençóis. O raro “Fronteira Infinita”, de Edson Fernandes e Luiz Paulo Domingues, traça um painel da sangrenta conquista das terras além da Vila do Bauru: a eliminação física dos kaingangues, a derrubada das matas, a abertura das picadas para a estrada de ferro, a formação das fazendas griladas e, enfim, o progresso com o cultivo do café.
Os bandeirantes fizeram estragos, dizimaram as populações nativas; poucos sobraram para contar a história; não pouparam nem mulheres, nem crianças. Índio não morria de velhice. “Bandeirismo, dominação e violência”, de Júlio José Chiavenato, dá bem um retrato do trabalho feito pelos desbravadores do nosso oeste, que me perdoem os paulistanos quatrocentões.
Não ficamos a dever nada aos norte-americanos, com a diferença que suas atrocidades foram romantizadas pela indústria do cinema. Edna Forber, em “Cimarron”, ilustra as investidas contra os nativos do velho oeste: comanches, cheyennes, apaches, sioux, são nada mais que lembranças. Terras que foram tomadas a força, para deleite de Jesse James e de outros bandoleiros.
Entre nós, Juscelino também marcharia para o oeste, mas já com propósitos mais nobres; foi o primeiro candidato presidencial a fazer comícios fora da faixa litorânea. Interiorizou o Brasil. Na América do Norte, toda uma geração pacifista botou o pé na estrada, pela Rota 66; do imortal Jack Kerouac ao mais recente Forrest Gump, com sua contação de histórias.
Mais modesto, estive agora no Marco das Três Fronteiras, nas barrancas do Rio Paraná; viajei desde São Paulo, pela Rodovia Castelo Branco, entre os rios Tietê e Paranapanema, até atravessar este último um pouco depois da cidade de Assis. Revi a bonita e imponente Cuesta de Botucatu e o caudaloso Rio Tibagi. Tudo nas excelentes companhias de Santino, Lurdes e Bernadete.





9 comentários:

  1. Valeu pela lembrança, pela descrição da personagem e do contexto em que viveu e pelo comentário apropriado a respeito das formas como foram sendo eliminados os grupos kaingangues da região...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Professor Rogério Bonatto, pena visita. É sempre bem vindo. Abraços.

      Excluir
  2. Ézio, pelo menos os Terenas, os Kaigangs, e os Bororos, deixaram para nós nascidos na Boca do Sertão recebemos, segundo alguns linguistas, o nosso maravilhoso sotaque, que nos identifica em qualquer canto do país.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É verdade, José Laércio, nos deixaram sotaque, topônimos, gastronomia deliciosa, linda cor de pele e de cabelos. Grande abraço, meu caro.

      Excluir
    2. Sem contar os ensinamentos deixados aos parcos "curandeiros" que resistem bravamente, tratando moléstias através das plantas.
      Linda crônica, Professor!

      Excluir
  3. Olá, Ézio, tudo bem? Faltou o trágico, poético, magnífico "Enterrem meu coração na curva do rio", de Dee Brown, sobre o extermínio das nações indígenas da América do Norte. Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Edson, faltou mesmo. Excelente obra, com levantamentos precisos sobre as atrocidades norte-americanas contra seus índios. Abraços.

      Excluir
  4. A história... fantasiosa. Viajou em ótimas companhias. Ainda bem que ainda podemos ler. Abraço!

    ResponderExcluir
  5. Seu Joaquim era um sujeito fantástico, tranquilo, fala mansa, andar lento e equilibrado. Curou uma ferida em meu joelho com tinta de caneta, que nenhuma pomada dava jeito. Inesquecíveis as festas juninas que ele fazia anualmente, com fogueira, pipoca e anizete distribuídos para a molecada. Obrigado pela lembrança, Ezio.

    ResponderExcluir