Quando criança, conheci o Bugre, Seu
Joaquim. De fala mansa, poucos dentes na boca, barba branca e rala, dominava as
densas matas que davam limites à Vila Mamedina. Percorria as trilhas em busca
de ervas medicinais e com elas curava toda sorte de males e doenças da
vizinhança. Curou a perna da minha nona, que médico nenhum dava conta; só não
deu jeito de curar o netinho, João: o infeliz garoto morreu de tétano, que ninguém
nem sabia direito o que era.
Bugres eram todos os índios, no pejorativo dado pelo branco. Fico pensando se Seu Joaquim era um kaingangue. Pode ser que sim, era uma grande nação que habitava a oeste de Lençóis. O raro “Fronteira Infinita”, de Edson Fernandes e Luiz Paulo Domingues, traça um painel da sangrenta conquista das terras além da Vila do Bauru: a eliminação física dos kaingangues, a derrubada das matas, a abertura das picadas para a estrada de ferro, a formação das fazendas griladas e, enfim, o progresso com o cultivo do café.
Os bandeirantes fizeram estragos,
dizimaram as populações nativas; poucos sobraram para contar a história; não
pouparam nem mulheres, nem crianças. Índio não morria de velhice. “Bandeirismo,
dominação e violência”, de Júlio José Chiavenato, dá bem um retrato do trabalho
feito pelos desbravadores do nosso oeste, que me perdoem os paulistanos
quatrocentões.
Não ficamos a dever nada aos
norte-americanos, com a diferença que suas atrocidades foram romantizadas pela
indústria do cinema. Edna Forber, em “Cimarron”, ilustra as investidas contra
os nativos do velho oeste: comanches, cheyennes, apaches, sioux, são nada mais
que lembranças. Terras que foram tomadas a força, para deleite de Jesse James e
de outros bandoleiros.
Entre nós, Juscelino também marcharia
para o oeste, mas já com propósitos mais nobres; foi o primeiro candidato
presidencial a fazer comícios fora da faixa litorânea. Interiorizou o Brasil. Na
América do Norte, toda uma geração pacifista botou o pé na estrada, pela Rota
66; do imortal Jack Kerouac ao mais recente Forrest Gump, com sua contação de
histórias.
Mais modesto, estive agora no Marco
das Três Fronteiras, nas barrancas do Rio Paraná; viajei desde São Paulo, pela
Rodovia Castelo Branco, entre os rios Tietê e Paranapanema, até atravessar este
último um pouco depois da cidade de Assis. Revi a bonita e imponente Cuesta de
Botucatu e o caudaloso Rio Tibagi. Tudo nas excelentes companhias de Santino, Lurdes e Bernadete.
Valeu pela lembrança, pela descrição da personagem e do contexto em que viveu e pelo comentário apropriado a respeito das formas como foram sendo eliminados os grupos kaingangues da região...
ResponderExcluirObrigado, Professor Rogério Bonatto, pena visita. É sempre bem vindo. Abraços.
ExcluirÉzio, pelo menos os Terenas, os Kaigangs, e os Bororos, deixaram para nós nascidos na Boca do Sertão recebemos, segundo alguns linguistas, o nosso maravilhoso sotaque, que nos identifica em qualquer canto do país.
ResponderExcluirÉ verdade, José Laércio, nos deixaram sotaque, topônimos, gastronomia deliciosa, linda cor de pele e de cabelos. Grande abraço, meu caro.
ExcluirSem contar os ensinamentos deixados aos parcos "curandeiros" que resistem bravamente, tratando moléstias através das plantas.
ExcluirLinda crônica, Professor!
Olá, Ézio, tudo bem? Faltou o trágico, poético, magnífico "Enterrem meu coração na curva do rio", de Dee Brown, sobre o extermínio das nações indígenas da América do Norte. Abraços!
ResponderExcluirSim, Edson, faltou mesmo. Excelente obra, com levantamentos precisos sobre as atrocidades norte-americanas contra seus índios. Abraços.
ExcluirA história... fantasiosa. Viajou em ótimas companhias. Ainda bem que ainda podemos ler. Abraço!
ResponderExcluirSeu Joaquim era um sujeito fantástico, tranquilo, fala mansa, andar lento e equilibrado. Curou uma ferida em meu joelho com tinta de caneta, que nenhuma pomada dava jeito. Inesquecíveis as festas juninas que ele fazia anualmente, com fogueira, pipoca e anizete distribuídos para a molecada. Obrigado pela lembrança, Ezio.
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