Postagem em destaque

Sobre o Blog

Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

domingo, 22 de março de 2020

Conto - Em branco e preto, 3a. parte

Plácido casou-se já com idade um pouco mais avançada, tomando uma jovem e bela mulher como esposa. Talvez até mais por interesse, eis que ela herdara uma quinta, famosa pela boa produção de uvas viníferas. Apolônia era o nome dela.

O marido em questão era praticante inveterado das artes enxadrísticas; na juventude, sonhou com altos feitos nos tabuleiros, previu fama e glória, que não vieram. Ainda estudava partidas, treinava aberturas, desenvolvia estratégias de jogo, em busca da perfeição que nunca chegava. Não perdia uma reunião sequer, no casarão do xadrez. Ali estava todos os sábados, todos os domingos, invariavelmente.
Afora a compulsão pelo xadrez, Plácido levava uma vida comum, tranquila e até certo ponto contemplativa. Passava os dias gerenciando as atividades da quinta, dando especial atenção à produção de vinhos. Suas noites eram dedicadas ao xadrez: fazia anotações, refazia movimentos das peças, jogava contra si próprio, até altas horas, sem incomodar ninguém. Mas tinha um defeito: não tolerava derrotas no tabuleiro. Quando perdia, ficava contrariado e procurava, a todo custo, uma revanche, uma oportunidade de refazer o ego. Era insistente com os adversários, praticamente exigia uma nova chance e não sossegava enquanto não conseguia dar o troco; tinha que, a todo custo, derrotar quem o derrotara, isso era sagrado para ele.
Reggy, que reinava absoluto no salão e era o melhor de todos os jogadores que ali se apresentavam, executou um plano maquiavélico: ganhava a primeira partida de Plácido e em seguida pedia licença para se ausentar, prometendo retorno para a revanche. E, de fato, voltava, horas depois, para jogar uma segunda partida, quando, então, e de propósito, perdia. Pronto! Era a redenção de Plácido!
Isso virou rotina: Reggy chegava ao casarão, ganhava uma partida de Plácido, pedia ao amuado adversário para aguardá-lo para a revanche, trocava de roupa e desaparecia pelos fundos do casarão; retornava duas ou três horas depois, repunha a roupa elegante e perdia a revanche ansiosamente aguardada pelo rival – que o esperava quanto tempo fosse necessário.
Plácido jamais se deu conta das circunstâncias; se no grupo havia alguém que desconfiasse da situação, esse alguém nunca fez qualquer comentário sobre isso. Era um grupo que se dedicava cegamente ao xadrez, todos discretos em seus elegantes trajes e finos gestos. Todos jogavam e cachimbavam nos sábados e domingos, placidamente...

3 comentários: