Passei muitas
dificuldades. Sou descendente de escravos e nunca tive muitas oportunidades na
vida. Meu pai, que trabalhava em uma quinta, me colocou num
Seminário, onde me fiz Diácono. Hoje, felizmente, levo uma vida tranquila: com
minhas túnicas alvas, que contrastam com o meu tom de pele, exerço meu oficio
nas igrejas da região.
Gosto
particularmente de tocar os sinos, do alto das torres. Ao som dos dobrados,
vejo a cidade aos meus pés, com seus casarões antigos adequadamente
preservados. Vejo a quinta, em que meu pai tralhava, e me lembro das histórias
que dele ouvia quando era criança. Foi ele quem me contou sobre um caso
interessante, que se passou com uma certa Apolônia, esposa de um enxadrista.
Meu pai era
cocheiro de profissão, cuidava dos carros do patrão e tinha especial esmero com
os cavalos; escovava-os até que os pelos brilhassem, fazia lindas tranças nas
crinas longas e bem asseadas. Eram animais que chamavam a atenção pelo porte
altivo, dois brancos e dois mais escuros. Na rua, eram elogiados pelos
transeuntes, faziam o orgulho do condutor.
Na quinta,
meu pai desempenhava todo e qualquer trabalho, não ficava só nas cocheiras; era
um peão, um volante, centralizando e executando os principais trabalhos que se
apresentavam. Empregado dedicado e leal, certo dia percebeu algumas
anormalidades no estábulo, coisas fora de lugar e remexidas. Foi então que,
apurando os sentidos e fazendo uma série de investigações por conta própria,
veio a descobrir que a patroa, Apolônia, recebia, nos fins de semana, na
ausência do marido, um certo Reggy, conhecido enxadrista da cidade.
Às escondidas,
meu pai viu algumas cenas das quais, por recato, não me dava muitos detalhes;
mas me dava a entender que Apolônia e Reggy tinham encontros ardentes e
voluptuosos, todos os fins de semana, sábados e domingos, invariavelmente. Os
parreirais, no esplendor de fim de ano, com seus cachos a caminho da colheita,
testemunharam muitas estripulias e aventuras; cocheira e estábulos devem
guardar, até hoje, eu acredito, alguns cheiros e os sons peculiares.
Meu pai levou
esse segredo para o túmulo, nunca o revelando a mais ninguém! Por certo os
leitores haverão de entender, mas eu não seria capaz de declinar o local desses
acontecimentos e nem de revelar o verdadeiro nome das pessoas; o respeito à memória
do meu pai e aos meus votos jamais me permitiriam fazê-lo, mesmo em se
considerando que todas essas pessoas já não estão mais entre nós.
Parabéns, Professor, pelo belo texto
ResponderExcluirObrigado, Tadeu. Abração.
ExcluirUma beleza, Ezio! Gosto da forma como detalha os locais, bem leve, apenas para que possamos visualizá-los. Segredos...
ResponderExcluirResguardá-los é respeito. Muito bom!!!!
Obrigado, Marilene, por prestigiar meu cantinho. Sim, alguns segredos fazem bem, é bom acalentá-los de vez em quando. Um forte abraço para você, querida amiga.
ExcluirEsse conto é simplesmente maravilhoso..
ResponderExcluir����������
Obrigado, Ligia, que bom que gostou. Venha sempre que puder. Abraços e muita saúde para você.
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