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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

sexta-feira, 13 de março de 2020

Crônica - O amor ao longo dos tempos

Albert Camus, argelino, legou uma obra sombria, A peste, com história ambientada na fictícia Oran, cidade à beira-mar argelina. Talvez como metáfora da retirada das forças de ocupação francesas, o autor nos dá o caos de uma cidade sitiada e fechada em si mesma, num amontado de corpos humanos e de ratos.

A peste também é tema do filme Nosferatu, o Vampiro da Noite, dirigido por Werner Herzog e que tem no belo Klaus Kinski a mais perfeita tradução vampiresca. Aqui, um Conde Drácula sedutor, de andar lento e arqueado, com uma calva lisa e sem pelos pelo rosto alvo como a neve, caminha furtivamente pela noite deserta da sua cidade. Da capa preta sobressaem mãos transparentes, de dedos finos e compridos que terminam em unhas longas e pontudas, curvadas para dentro. Nos seus passeios, traz consigo os ratos que infestam a cidade, espalhando nojo e morte constante.
O filme vale pela atuação do mágico Klaus Kinski e pela ambientação única, sombria e em preto e branco, ao longo de canais e ruas de uma cidade medieval, tal como somente um mestre da ordem de Herzog seria capaz de fazer.
Gabriel Garcia Marquez, de Cem Anos de Solidão e de O Outono do Patriarca, escreveu a tocante história de um triângulo amoroso que se desenrola numa época em que o cólera assolava a América Latina. Com o título apropriado de O Amor nos Tempos do Cólera, traz a saga de dois eternos apaixonados que, separados pelas circunstâncias da vida, somente se uniriam cinquenta e um anos depois de se conhecerem: mortes súbitas e ao acaso é que tornariam possível o reencontro do casal, já na velhice.
Nos altos de uma imensa caldeira vulcânica, no sul de Minas Gerais, uma cidade foi duramente castigada pela Gripe Espanhola; era frequentada por gente de todos os cantos do mundo, em busca de suas águas termais. Porém, durante alguns meses, no final de 1918, a cidade ficou quase que abandonada. É o que dizem Luiz Roberto Júdice, em A Morte Silenciosa, e o folclore local.
As casas de diversões foram fechadas, o comércio parou de funcionar, os hotéis ficaram à mingua. Ninguém se arriscava a sair de casa, não só por medo do contágio, mas também para evitar a visão desagradável dos cadáveres que permaneciam insepultos pelas calçadas, à espera de carroções disponíveis que os recolhessem. Depois do pesadelo, cidade ficaria conhecida como a Cidade do Pano Verde, pela profusão de cassinos e boates, onde muitos podiam ser vistos com a tarja negra do luto na gola dos paletós ou nas mangas das camisas brancas.

2 comentários:

  1. Ezio, as tragédias que ricamente mencionou não afetam o amor, em todas as suas vertentes.De todas elas nos chegaram exemplos, tanto de solidariedade quanto de vivência. A gripe espanhola fez o mundo perceber que não estava estruturado para enfrentar calamidades da natureza, no tocante à área da saúde . O livro "A Peste" tem sido um dos mais procurados, atualmente, em vista do coronavirus. Você trouxe à colação uma rica literatura, que aplaudimos e que nos faz passear no mundo da ficção. Talvez, em vista do caos que hoje estamos para enfrentar, não consigo fazer uma associação desses eventos com amor, mas com sofrimento, em sentido global.
    É sempre um prazer ler suas tão bem escritas crônicas. Abraço.

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    1. Cenário preocupante, esse nosso, Marilene.Ficção e realidade vão se misturando, desenvolvimento e degradação, amor e cólera, no seu duplo sentido. Um grande abraço, querida amiga.

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