Quando eu era mocinho, gostava dos bailes de
carnaval do CSEC, o clube social da minha cidade. Era dos primeiros a chegar ao
salão e ficava até alta madrugada, quando tudo então silenciava. Tinha uma
energia danada, pulava a noite inteira, cantava, brincava com os amigos –
cidade pequena, todos eram amigos.
O que me intrigava era a banda, não parava um
segundo sequer; um grupo pequeno de instrumentistas e dois ou três cantores que
não paravam – das onze da noite até quatro, quatro e meia da manhã, numa
sequência só, sem interrupções. Foi então que percebi a tranquilidade com que dois
bateristas se revezavam em meio à música sendo executada: primeiro uma baqueta passada
de um para o outro, depois a segunda baqueta, um se levantando e saindo, o
outro entrando; um pedal cedido de cada vez e, enfim, o outro já estava sentado
e tocando a mesma bateria, sem interrupção da música, sem perda de ritmo e sem
queda de qualidade.
O músico que estava cansado, com perda de
rendimento, saía, dava lugar para outro. Só mesmo quem estava ali, do lado do
palco, é que sabia o que estava acontecendo. E assim sucedia com os demais
artistas e instrumentos; a guitarra e o contrabaixo, exemplares únicos na banda
de poucos recursos, iam passando de mãos em mãos; entrava e saia cantor do
mesmo microfone, sem que a banda parasse um segundo que fosse.
Dava gosto ver essas passagens, calmas e imperceptíveis,
permitindo que o baile chegasse ao fim, naturalmente, sem tropeços e com a
qualidade exigida pelos foliões. Me fazia lembrar dos tempos de criança, quando
rodava pião com os meninos da rua. Fieira longa e bem firme, a gente lançava o
pião, que fazia buraco na terra e rodava lindo e veloz que só vendo. E o
desafio era tirá-lo da terra, por entre os dedos, e passa-lo para a palma da
mão, com ele rodando; e, depois, passar o bicho quase indomável para as mãos do
amigo do lado. E assim por diante, até o brinquedo cumprir seu objetivo final e
morrer nas mãos de alguém. Tudo natural, de mão em mão, sucessivamente.
Um dia eu vi na televisão: dois pilotos num
caça da Força Aérea; o que estava no banco da frente, pilotando, sofreu alguma
indisposição e o copiloto, no banco de trás, teve que assumir o comando da aeronave.
A troca foi feita com precisão, sem perda de velocidade, sem perda de altura e nem
de direção, de modo que o caça chegou ao seu destino sem intercorrências. Até
me fez lembrar dos músicos carnavalescos da minha terra e das brincadeiras de pião
quando criança, tal a naturalidade na troca dos comandos.
Conheci esses bales de carnaval e, à época, não pensava em como os músicos conseguiam tocar sem descanso. Então era como mencionou??? Essa troca de mãos, objeto de sua crônica, em situações distintas, mostra o quanto ela é importante na vida. O coletivo depende sempre de atos individuais, em dança de passos coordenados, objetivando o bem estar de todos.
ResponderExcluirSincronia perfeita, através de mãos treinadas, concatenadas. Simbiose de corpo e alma segurando ativamente a alegria de viver - nos salões, na cidade, no mundo. Abraços, Marilene, sempre obrigado pela honrosa visita.
ExcluirO conjunto seria o Luar de Prata?
ResponderExcluirCaríssimo José Laércio, confesso que não conheci, ou ao menos penso que não conheci, o Luar de Prata. O Célio levantou arquivos virtualizados dos jornais da época, em que se reportam ao Luar de Prata. Grande abraço.
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