No morro do Vai e Volta, de novo
No começo da tarde de segunda-feira, antes
dos depoimentos, Guilherme e eu trocamos algumas ideias sobre o caso. Refletimos
sobre alguns fatos, que exigiam respostas: o assassinato foi cometido pela
mesma pessoa que roubou as esmeraldas? Além do filho do Coronel, será que
alguém mais da casa sabia dessas gemas? Onde estaria a faca usada no crime?
Eu perguntei ao Guilherme:
- E o empregado que viajou para São
Paulo? Foi localizado?
- Não, não foi. Ligamos, ontem de
noite, para o hotel em que ele costuma se hospedar, em São Paulo, na Praça do
Patriarca. Nada, meu caro: ninguém teve notícias dele.
- Ora, mais essa, ainda? Para onde
será que ele foi, então?
- Também não sei, mas nós vamos
descobrir isso, sem dúvida. É só uma questão de tempo.
- Pois, é, mas o seu chefe parece que
tem pressa!
- O problema é dele, ele que se
entenda com o pessoal de Belo Horizonte.
No horário combinado, apareceram em meu
escritório o caseiro e a cozinheira; a camareira, disseram, não estava passando
bem:
- A coitadinha já estava com o
estômago embrulhado desde que viu o corpo do patrão, ontem cedo: certamente não
lhe fez bem a visão daquele sangue todo. E, depois, ainda teve o enterro hoje
cedo, sabe como é, não?
- Paciência - disse o detetive. Amanhã
ela será ouvida, lá mesmo no casarão.
Para nosso desgosto, os depoimentos
dos dois empregados redundaram em pura perda de tempo: repetiram as mesmas
histórias da véspera e nada de novo acrescentaram para a elucidação do caso. Valeram
apenas para a necessária formalização das falas, nada mais que isso.
Minha ágil datilografia, adquirida nos
bons tempos em que fui auxiliar de cartório, ajudava muito nessas horas.
Quanto à cozinheira, já sabíamos que
sua presença era inútil; também pouco adiantou a insistência de Guilherme com o
caseiro; ele negou peremptoriamente a sua participação, argumentando que esteve
fora de casa durante toda a manhã; insistia, de outro lado, em incriminar o capataz,
dizendo que achava estranha a viagem dele para São Paulo.
- Sim, sei que isso é estranho –
afirmou o detetive. Mas, ele viajou antes do assassinato; sendo assim, creio
que nada tem a ver com esta história toda, não acha?
- Então, como ele não apareceu em São
Paulo? Eu e a camareira ligamos, hoje de manhã, para o hotel; disseram que ele
não esteve lá. O senhor não acha isso suspeito, doutor?
- Sim, eu já tenho essa informação
desde a noite de ontem. Também ligamos para São Paulo. É verdade, ele não
apareceu em lugar algum, ninguém sabe dele; contudo, uma coisa é certa: ele não
conseguiria matar o patrão e depois embarcar no trem das nove e quinze, não
acha? Afinal, a morte ocorreu depois da partida dele para São Paulo, compreende
isso? Você não viu o relógio, meu caro?
Encabulado com essas palavras
incisivas, o caseiro respondeu:
- Bom, não sei se ele viajou mesmo de
trem, não é doutor?
- Quanto a isso, não se preocupe,
rapaz. Também já sabemos que ele tomou, sim, o trem das nove e quinze, ontem
cedo; portanto, eu repito, ele saiu da cidade antes do assassinato – respondeu
ríspido o investigador. E mais uma
coisa: aqui, quem faz perguntas sou eu, está bem?
- Sim, está bem, o senhor me desculpe,
doutor – respondeu, abaixando a cabeça.
Depois que ambos foram dispensados,
pusemo-nos a pensar no quebra-cabeça. O que teria levado o caseiro a tirar
todos os empregados de dentro da casa? Será que havia mesmo recebido ordens do
patrão, como vinha alegando desde domingo? Ou será que tudo não teria sido praticado
à revelia do Coronel? Nesse caso, então, bem que ele poderia ser o verdadeiro
assassino, como Guilherme já cogitava desde o dia anterior.
E o administrador, viajou a São Paulo
para fazer o quê? Era certo que ele tinha embarcado no trem, como previsto, mas
não apareceu no hotel de costume. Onde ele estaria, então?
Enfim, estávamos no mesmo ponto de
partida, sem grandes progressos. Muitas eram as dúvidas a serem elucidadas. Tínhamos
trabalho árduo pela frente, portanto.
De todo modo, a hipótese que Guilherme
já ia acalentando colocava o caseiro como destaque do caso; mas, percebia-se
uma relutância do meu velho amigo nesse sentido, quer dizer, ele não
demonstrava tanta segurança assim nessa linha de raciocínio.
Dizia ele:
- Vamos reordenar nossas ideias, meu
caro. Em primeiro lugar, sabemos que não havia motivo plausível para
desocupação da casa. A partir disso, podemos montar um novo cenário, agora
incluindo o roubo das esmeraldas: o caseiro já sabia da viagem do capataz e
então inventou toda aquela história das compras, alegando que eram ordens do
patrão; com esse planejamento, pôs todos para fora, de surpresa; depois, foi só
voltar às escondidas para praticar o crime, sem a presença de ninguém,
exatamente como eu lhe disse ontem. Acho que nem o Coronel sabia da saída
deles.
Eu me limitava a ouvi-lo; depois de
algumas reflexões, continuou:
- Quer dizer, o caseiro matou o Dr.
Assis e pegou as gemas, escondendo-as em algum canto daquele imenso casarão – é
provável que depois, mais tarde, ele vai dar um jeito de recuperá-las. Quanto à
faca usada no crime, jogou no rio, ali na frente mesmo; daí, foi reencontrar os
colegas de serviço no Mercadão.
- Mas ele tem um álibi - ponderei. Ele
esteve no Mercado Municipal junto com os demais empregados. Eu mesmo confirmei
isso, Guilherme, lembra?
- Sim, eu sei. Mas nada impede que
tenha ido até lá, junto com todos eles, só para montar esse álibi: conversou um
pouco com um ou outro comerciante, como que para registrar presença, e depois
foi praticar o crime; por fim, reuniu-se novamente aos colegas, a tempo de voltarem
todos para a casa. Simples, não acha?
- Mas, vamos pensar: eles não se
separaram em nenhum instante sequer, todos lá disseram isso.
- Diabos! É verdade, estava me
esquecendo desse pormenor – disse-me ele, como que pedindo socorro.
- Não sei, Guilherme; sinceramente não
sei o que dizer. Não sei por onde caminhar nesta investigação.
E assim ficamos nós, com mais
perguntas do que respostas; e, pior, não tínhamos muitas esperanças quanto aos outros
dois depoimentos que restavam, o do filho do morto e o da camareira.
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