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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 10. No Morro do Vai e Volta, de novo

No morro do Vai e Volta, de novo

No começo da tarde de segunda-feira, antes dos depoimentos, Guilherme e eu trocamos algumas ideias sobre o caso. Refletimos sobre alguns fatos, que exigiam respostas: o assassinato foi cometido pela mesma pessoa que roubou as esmeraldas? Além do filho do Coronel, será que alguém mais da casa sabia dessas gemas? Onde estaria a faca usada no crime?

Eu perguntei ao Guilherme:
- E o empregado que viajou para São Paulo? Foi localizado?
- Não, não foi. Ligamos, ontem de noite, para o hotel em que ele costuma se hospedar, em São Paulo, na Praça do Patriarca. Nada, meu caro: ninguém teve notícias dele.
- Ora, mais essa, ainda? Para onde será que ele foi, então?
- Também não sei, mas nós vamos descobrir isso, sem dúvida. É só uma questão de tempo.
- Pois, é, mas o seu chefe parece que tem pressa!
- O problema é dele, ele que se entenda com o pessoal de Belo Horizonte.
No horário combinado, apareceram em meu escritório o caseiro e a cozinheira; a camareira, disseram, não estava passando bem:
- A coitadinha já estava com o estômago embrulhado desde que viu o corpo do patrão, ontem cedo: certamente não lhe fez bem a visão daquele sangue todo. E, depois, ainda teve o enterro hoje cedo, sabe como é, não?
- Paciência - disse o detetive. Amanhã ela será ouvida, lá mesmo no casarão.
Para nosso desgosto, os depoimentos dos dois empregados redundaram em pura perda de tempo: repetiram as mesmas histórias da véspera e nada de novo acrescentaram para a elucidação do caso. Valeram apenas para a necessária formalização das falas, nada mais que isso.
Minha ágil datilografia, adquirida nos bons tempos em que fui auxiliar de cartório, ajudava muito nessas horas.
Quanto à cozinheira, já sabíamos que sua presença era inútil; também pouco adiantou a insistência de Guilherme com o caseiro; ele negou peremptoriamente a sua participação, argumentando que esteve fora de casa durante toda a manhã; insistia, de outro lado, em incriminar o capataz, dizendo que achava estranha a viagem dele para São Paulo.
- Sim, sei que isso é estranho – afirmou o detetive. Mas, ele viajou antes do assassinato; sendo assim, creio que nada tem a ver com esta história toda, não acha?
- Então, como ele não apareceu em São Paulo? Eu e a camareira ligamos, hoje de manhã, para o hotel; disseram que ele não esteve lá. O senhor não acha isso suspeito, doutor?
- Sim, eu já tenho essa informação desde a noite de ontem. Também ligamos para São Paulo. É verdade, ele não apareceu em lugar algum, ninguém sabe dele; contudo, uma coisa é certa: ele não conseguiria matar o patrão e depois embarcar no trem das nove e quinze, não acha? Afinal, a morte ocorreu depois da partida dele para São Paulo, compreende isso? Você não viu o relógio, meu caro?
Encabulado com essas palavras incisivas, o caseiro respondeu:
- Bom, não sei se ele viajou mesmo de trem, não é doutor?
- Quanto a isso, não se preocupe, rapaz. Também já sabemos que ele tomou, sim, o trem das nove e quinze, ontem cedo; portanto, eu repito, ele saiu da cidade antes do assassinato – respondeu ríspido o investigador.  E mais uma coisa: aqui, quem faz perguntas sou eu, está bem?
- Sim, está bem, o senhor me desculpe, doutor – respondeu, abaixando a cabeça.
Depois que ambos foram dispensados, pusemo-nos a pensar no quebra-cabeça. O que teria levado o caseiro a tirar todos os empregados de dentro da casa? Será que havia mesmo recebido ordens do patrão, como vinha alegando desde domingo? Ou será que tudo não teria sido praticado à revelia do Coronel? Nesse caso, então, bem que ele poderia ser o verdadeiro assassino, como Guilherme já cogitava desde o dia anterior.
E o administrador, viajou a São Paulo para fazer o quê? Era certo que ele tinha embarcado no trem, como previsto, mas não apareceu no hotel de costume. Onde ele estaria, então?
Enfim, estávamos no mesmo ponto de partida, sem grandes progressos. Muitas eram as dúvidas a serem elucidadas. Tínhamos trabalho árduo pela frente, portanto.
De todo modo, a hipótese que Guilherme já ia acalentando colocava o caseiro como destaque do caso; mas, percebia-se uma relutância do meu velho amigo nesse sentido, quer dizer, ele não demonstrava tanta segurança assim nessa linha de raciocínio.
Dizia ele:
- Vamos reordenar nossas ideias, meu caro. Em primeiro lugar, sabemos que não havia motivo plausível para desocupação da casa. A partir disso, podemos montar um novo cenário, agora incluindo o roubo das esmeraldas: o caseiro já sabia da viagem do capataz e então inventou toda aquela história das compras, alegando que eram ordens do patrão; com esse planejamento, pôs todos para fora, de surpresa; depois, foi só voltar às escondidas para praticar o crime, sem a presença de ninguém, exatamente como eu lhe disse ontem. Acho que nem o Coronel sabia da saída deles.
Eu me limitava a ouvi-lo; depois de algumas reflexões, continuou:
- Quer dizer, o caseiro matou o Dr. Assis e pegou as gemas, escondendo-as em algum canto daquele imenso casarão – é provável que depois, mais tarde, ele vai dar um jeito de recuperá-las. Quanto à faca usada no crime, jogou no rio, ali na frente mesmo; daí, foi reencontrar os colegas de serviço no Mercadão.
- Mas ele tem um álibi - ponderei. Ele esteve no Mercado Municipal junto com os demais empregados. Eu mesmo confirmei isso, Guilherme, lembra?
- Sim, eu sei. Mas nada impede que tenha ido até lá, junto com todos eles, só para montar esse álibi: conversou um pouco com um ou outro comerciante, como que para registrar presença, e depois foi praticar o crime; por fim, reuniu-se novamente aos colegas, a tempo de voltarem todos para a casa. Simples, não acha?
- Mas, vamos pensar: eles não se separaram em nenhum instante sequer, todos lá disseram isso.
- Diabos! É verdade, estava me esquecendo desse pormenor – disse-me ele, como que pedindo socorro.
- Não sei, Guilherme; sinceramente não sei o que dizer. Não sei por onde caminhar nesta investigação.
E assim ficamos nós, com mais perguntas do que respostas; e, pior, não tínhamos muitas esperanças quanto aos outros dois depoimentos que restavam, o do filho do morto e o da camareira.

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