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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado. Capítulo 16. O golpe das esmeraldas em Goiás


O golpe das esmeraldas em Goiás

No começo do ano de 1977, uma notícia caiu como uma verdadeira bomba na cidade: nossos dois jornais repetiram a mesmíssima manchete, em edição extraordinária:

CAPATAZ É PRESO EM GOYÁS VELHO
Saiba tudo sobre o golpe das esmeraldas

O texto, também idêntico nos dois jornais, dizia:

O antigo e conhecido capataz, empregado do falecido Coronel Assis e se achava desaparecido desde a morte do ilustre fazendeiro, foi preso na manhã de ontem na antiga capital goiana, localizada no oeste do estado. O motivo da prisão, conforme informaram as autoridades policiais ouvidas pela nossa redação, está relacionado com as esmeraldas que foram roubadas no Casarão do Conde, por ocasião da morte do Coronel Assis.
Após denúncias apresentadas por um fazendeiro, a polícia descobriu que o capataz havia se endividado com a compra de terras e de gado, naquela região; forçado pelos credores, tentou saldar alguns compromissos através de um inusitado golpe: ofereceu, em pagamento, vários lotes de esmeraldas brutas que, descobriu-se depois, eram falsas.
As investigações, segundo as mesmas autoridades, vinham se desenvolvendo em sigilo há cerca de dois meses; desconfiado da quantidade de pedras preciosas em mãos do capataz, um dos credores acionou a polícia goiana. Ontem, de posse de laudos oficiais que comprovaram o golpe, foi cumprido um mandado de prisão nas terras do capataz, que não reagiu à prisão.
Acreditamos que esse fato poderá trazer reflexos para o caso, de grande repercussão e que aqui entre nós ficou conhecido como “O crime do casarão”. No início de 1970, o Coronel foi morto dentro de sua própria casa; o autor do crime, que até hoje não foi descoberto, também roubou uma quantidade de pedras preciosas que eram do morto – e tudo indica que as pedras preciosas roubadas aqui na cidade sejam exatamente as mesmas que agora levaram à prisão do capataz.
A esse propósito, aliás, lembramos aos nossos leitores que, na época do crime em nossa cidade, o administrador, foi apontado como um dos suspeitos pela polícia; todavia, apenas o caseiro do Coronel é que foi levado a júri popular naquele processo e absolvido, em sessão movimentada, pela unanimidade de votos do tribunal de júri.

Estava em minha casa quando li esta notícia. E mal tinha acabado de ler estas linhas quando o telefone tocou. Era meu amigo Guilherme:
- Já leu a novidade, meu caro? Perguntou-me ele, sem se referir expressamente ao artigo do jornal.
- Sim, acabo de ler. Mas que coisa! Inacreditável, não é mesmo, Guilherme?
- Pois é, rapaz. Que coisa louca é essa? Me espera que eu vou dar uma passada por aí na sua casa, está bem?
Conversamos longamente sobre a novidade estampada nos jornais.
- Essa notícia muda tudo, Guilherme. Bem, claro, se for verdadeira, não é?
- Mas ela é verdadeira; confirmamos agora cedo com a polícia de Goiás: o capataz está preso porque tentou passar esmeraldas falsas no mercado goiano. Parece inacreditável isso, mas é a pura verdade.
- Ora, então ele é o ladrão, só pode ser. Quer dizer, mais do que isso: ele é o assassino do Coronel, concorda?
Guilherme estava pensativo. Mas concordou comigo.
- Eu vim para cá pensando nisso também. Mas, então, porque ele deixaria a própria camisa no local do crime. Por que ele se denunciaria? Será que ele queria ser preso e nós não tivemos a capacidade de compreender isso?
E continuou:
- E quanto ao horário do crime? Se o relógio quebrado marcava o horário correto da morte, e tudo indica que sim, como é que o capataz poderia ter viajado antes do crime? Tem algo de muito errado nisso tudo, meu caro.
- Ou, então – disse eu – ele roubou as pedras e depois o caseiro matou, como já foi cogitado anteriormente. Você se lembra dessa hipótese, Guilherme?
- Sim, claro que me lembro. Essa era uma das linhas que o delegado não quis levar em consideração.
Quer dizer, a novidade da prisão esclareceria apenas parte do problema.
- Bem, temos que aguardar a vinda dele para cá. Primeiro ele vai ter que responder pelo crime que cometeu lá; e aqui ele vai ter que explicar como conseguiu as esmeraldas. Nós vamos tentar a transferência dele, quem sabe a gente consegue isso. Vamos formalizar um pedido, no mais tardar amanhã.
- Ou então – eu acrescentei – vamos até lá. Vamos ouvir ele lá mesmo. Deve ser uma bela viagem.
Animado com a sugestão, Guilherme foi incisivo:
- É, pode ser. Vamos?
Aproveitamos o encontro para colocar as conversas em dia. Afinal, já há algum tempo que nossas tarefas impediam um bate-papo mais descontraído.
Foi nessa oportunidade que eu o lembrei de uma explicação que ele me devia, desde aquele domingo em que nossa reunião foi interrompida pela notícia da morte do Coronel:
- Naquele dia você ia me falar sobre moedas com boné, você se lembra?
- Ah! Sim, meu caro, me lembro. Essas moedas também são peças interessantes para coleção. Nelas, o que ocorre é um defeito de fabricação que deixa a cunhagem deslocada no disco de metal. Quer dizer, a prensagem não coincide com o disco; uma parte do disco fica lisa, sem desenho algum.
- Eu nunca vi isso.
- Sim, mas esse defeito existe: a sobra no disco tem a forma de um boné, como que cobrindo a moeda.
- Legal, Guilherme. Esse é mais um detalhe que eu tenho que observar – eu disse, finalizando a conversa.

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