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Despretensiosos e singelos: é assim que vejo minhas crônicas e meus contos. As crônicas retratam pedaços da minha vida; ora são partes da ...

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Livro - Reverso inclinado, Capítulo 1. Águas Virtuosas


REVERSO INCLINADO


Dedicação
A Bernadete Pereira de Almeida, companheira de uma longa e feliz caminhada; a meu filho Raul Pereira Frezza, lindo presente que Bernadete me deu; a minha mãe, Olga Basso Frezza, cujo sorriso sempre me alegra.
Aos pesquisadores Gaspar Eduardo de Paiva Pereira, Luiz Roberto Judice, Rubens Caruso Júnior e Jurandir Ferreira, dentre tantos outros que preservam e divulgam nossa história.


Agradecimento
A minha companheira, Bernadete Pereira de Almeida, ao meu irmão Santino Frezza, ao Dr. Gaspar Eduardo de Paiva Pereira, ao Dr. Fábio Camargo de Souza, ao Dr. Virgílio Diniz Carvalho Gonçalves, Dr. Marcio Dias e ao Jhonatan Walker; todos colaboraram com sugestões e críticas de grande valia.

Homenagem
Ao Dr. Gaspar Eduardo de Paiva Pereira, cultor das letras e escritor, historiador, administrador público e professor universitário – decano dos nossos mestres:
parceiro de bancos escolares por alguns meses;
colega de cátedra universitária por duas décadas;
minha referência ética pela eternidade.


Homenagem póstuma
Ao meu pai, Ezio Frezza, que deixou imensa saudade; incansável trabalhador braçal que, apesar da falta de instrução formal, tinha memória privilegiada e raciocínio rápido – e era leitor voraz.


Nota do autor (1)

Este livro foi cometido por mero divertimento, sem maiores pretensões; seu enredo é linear e de fácil compreensão. Nele o leitor encontrará muitas homenagens, singelas todas elas e de propósito espalhadas em diversas passagens.
Os personagens foram criados especialmente para a obra, sem qualquer conexão com pessoas conhecidas; algumas passagens reverenciam grandes autores e personagens da literatura universal, sobremodo dentre os que ficaram consagrados no gênero policial, que serão de pronto identificados.
Um crime ocorre no outono de 1970 e a partir daí a trama se estende até o ano de 1977, apresentando diversos aspectos históricos e políticos da vida nacional. O leitor entenderá o que é real e o que é fictício, não olvidando que os livros de ficção têm muito de história e os de história têm muito de ficção.
Maio de 2018

Nota do autor (2)

Fiz a revisão do livro para fins de publicação virtual; na medida do possível, acertei algumas imperfeições gráficas, que tantos dissabores me causaram. As que eventualmente ainda restam devem ficar na minha conta, portanto. Creio que o texto, agora um pouco mais enxuto, permita maior fluência na leitura, mas sem perda de conteúdo.
Julho de 2020


1.      Águas Virtuosas

Quem a visita, nos dias de hoje, não pode imaginar que aqui já foi, em tempos remotos, um imenso lamaçal; essa cidade nunca deixou de ter o seu charme particular, porquanto localizada no centro de uma esplêndida e desativada caldeira vulcânica. O local foi descoberto pelas bandeiras que por estas bandas chegaram em busca de ouro e de pedras preciosas, em algum momento durante o ciclo da mineração.
Ao contrário dos grandes veios que foram localizados nas vastas minas gerais e que fizeram a riqueza dos portugueses, por estas plagas os primevos exploradores e aventureiros restaram inteiramente frustrados em seus intentos iniciais. Apesar das intensas buscas e garimpagens desenvolvidas em rios e barrancos, nada encontraram das preciosidades tão esperadas; todavia, a triste realidade não foi capaz de repelir aqueles homens e fazê-los voltar às suas terras de origem; a frustração inicial foi, pouco a pouco, cedendo espaço para outra espécie de atrativo: a reconfortante riqueza das águas minerais que jorravam, para deleite geral, frescas aqui ou escaldantes ali, em quantidade tal e por todos os poros do relevo. O pisoteio dos homens e dos animais de montaria e de carga transformava tudo em lama negra e pegajosa, de proporções gigantescas.
Muitas fontes de águas cristalinas e de temperaturas variáveis saiam das brotas; das mais recônditas entranhas da terra e de todas as grotas escorriam sem fim. Dentre todas elas, o que mais despertava a atenção eram os intensos jorros de águas escaldantes: desacostumados com tal fenômeno, muitos banhistas desavisados sofriam sérias vertigens e tonturas por conta da queda de pressão arterial.
Ao mesmo tempo em que esses dissabores ocorriam, as águas quentes também proporcionavam a alegria dos catadores de mãos grossas e calejadas pelo uso de enxadões e bateias: as águas sulfurosas, de secagem rápida pela sua imediata evaporação, deixavam nos braços e nas pernas um bálsamo fragrante e sedoso, que os revigoravam imediatamente, minorando tanto o cansaço sentido nos longos caminhos íngremes de subida quanto o cansaço pelos duros trabalhos diários de cata.
A inaudita beleza do lugar compensava os ventos constantes e o frio intenso e inclemente. Uma pena era a presença da neblina; na falta dos ventos em determinadas épocas do ano, a cortina branca por ela formada impedia uma visão mais abrangente do entorno, tirando das vistas as matas verdes e intocadas, povoadas de quatis e macacos-prego.
O barreiro formado pelo tropel veio a servir de inspiração para a primeira alcunha do lugar. As notícias das contribuições milagrosas das águas sulfurosas não tardaram a correr fama pelo Brasil afora e isso levou um próspero fazendeiro das imediações a solicitar do Imperador, com quem mantinha amizade próxima, uma sesmaria para nela expandir sua já extensa e próspera criação de gado.
Obtida, finalmente, a dádiva imperial, o donatário mandou construir os banhos públicos, que se constituíram na grande novidade que faltava para atrair os visitantes. Seduzidos pela qualidade das águas cálidas e benfazejas, homens e mulheres foram chegando a todo instante; uns apenas de passagem e outros se instalando em definitivo. Pouco depois, da sesmaria foi desmembrada, por doação do fazendeiro, uma sorte de terras com aproximados 50 hectares, para o alinhamento de ruas, becos e avenidas, lugares para as praças e jardins, o retângulo central para a Igreja Matriz, a cadeia de pedras, um barracão para servir de mercado, a escola pública com salas separadas para os dois sexos, bem como locais para a edificação de chafarizes, fontanários e banhos.
Para as solenidades de inauguração da nova cidade foi convidado o Imperador; por missiva de resposta, Sua Majestade declinou do convite, mas deixou aberta a possibilidade de uma futura visita, o que veio a ocorrer algum tempo depois, quando da inauguração do ramal estrada de ferro.
Há dúvidas se aquela doação foi um ato altruístico e de generosidade, própria dos homens despojados e não afeitos aos bens materiais, ou, então, se foi de caso pensado, com vistas a uma previsível e rápida valorização das terras que lhe sobejaram. O fato é que, em pouco tempo, havia uma cidade inteira gravitando ao redor da fazenda de gado, de modo que a propriedade, assim, deixou de se ver isolada nos altos da gelada montanha.
A Barreiro que dali surgiu caminhou, a passos largos, para as Águas Virtuosas, e foi criando fama mundial com o passar do tempo. Políticos influentes, ricaços de todas as origens, artistas e boêmios, trabalhadores, escravos forros, enfim, muita gente aqui veio para fazer a vida. Um pouco mais tarde, inclusive, vieram os apostadores inveterados das mesas de jogos que se espalharam pelos bares e cassinos.
Foi nesse cenário apaixonante, fadado ao domínio perene dos coronéis, que muito tempo depois se desenrolou uma história que até hoje não foi contada em todos os seus pormenores. Fazendeiros e capatazes, caseiros e camareiras, índios e escravos, ingleses e outros europeus deixaram descendentes que se veriam, uns já de caso pensado e outros sem querer, envolvidos em uma trama perversa que foi tecida em torno de alguns sacos de esmeraldas – por ironia do destino, aquelas mesmas pedras preciosas que a natureza negara aos primeiros exploradores da região serviriam, depois, de mote para um violento e comovente assassinato.
Mal sabiam os desbravadores e aventureiros que a neblina intensa e gelada dessas montanhas acobertaria uma série de manobras destinadas à consecução de um crime que abalaria a virtuosidade de nossas águas. Figuras respeitadas – e outras nem tanto – esgueiravam-se pelas beiras de muros e de barrancos, por becos e encostas, para surgirem em ambientes de meia luz não muito recomendados, onde se reunia a fina flor da sociedade.
Nem o melhor dos nossos detetives conseguiu desvendar o mistério a contento; somente um infortúnio sofrido pelo verdadeiro assassino é que foi capaz de trazer a verdade à tona, quase que acidentalmente.

7 comentários:

  1. Excelente escrita professor!!

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  2. Quero ler o próximo capítulo!!! Leitura instigante...
    Parabéns por riqueza nos detalhes... dá para imaginar cada cena.

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    1. Eliane, tudo bem? Que bom que esteja gostando. Abraços e felicidades.

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  3. Eu adoro leituras..quero ir até o fim do livro..ainda mais com essa riqueza de detalhes que consegue prender a atenção do leitor

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    1. Bem-vinda, Araci. Muito obrigado, espero que se divirta. Abraços.

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  4. O cenário é inspirador. Vejamos o que você nos reserva rss.

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