Os finalmentes
dessa história
O capataz foi transferido para a
estância, onde respondeu processo pelo crime
do casarão. Foi condenado e cumpriu uma longa pena de prisão.
Vez ou outra eu o visitei na cadeia; naquelas
ocasiões eu percebia que ele não dava mostras de arrependimento; contudo,
estava sempre triste, falava pouco e tinha o rosto vincado pela decepção.
Talvez não pela prisão, mas pelas amarguras que acabou experimentando na vida.
Deve ser isso, imagino.
Recentemente, numa conversa com o Guilherme,
perguntei:
- Será que o Coronel Assis, ou o
advogado dele, enfim, sabia da falsificação das pedras?
Guilherme, então, se pôs meditativo e
respondeu com uma boa dose de cautela:
- O advogado, eu conheço, eu creio que
não sabia. É pessoa de bem, muito ético e não faria uma coisa dessas. Nunca. Já
o Coronel, isso eu não sei. Mas acho que ele sabia que eram falsas, tanto assim
é que não queria que o juiz mandasse avaliar as pedras e descobrisse a verdade.
É o que eu concluo disso tudo, senão não haveria motivos para fazer aquela
desastrosa encenação; enfim, entregaria o material em juízo e pronto.
E continuou ele:
- E, mudando de assunto: guardou
adequadamente a moeda que o capataz lhe deu?
- Sim, está comigo, na minha coleção.
Eu explico, caro leitor.
Quando o Guilherme terminou de fazer o
interrogatório, ainda na antiga capital goiana, o capataz, para nos mostrar que
estava pobre, endividado e sem dinheiro, abriu uma velha carteira de couro, já
puída e esgarçada: nela havia apenas uma fotografia da camareira, bonita
camareira, e uma moeda, que guardava como amuleto.
Com seus olhos clínicos, acostumados
com as pesquisas e estudos numismáticos, Guilherme logo notou que se tratava,
por coincidência, de uma moeda de 200 réis, de reverso inclinado. Quer dizer, justamente
uma das que faltavam na minha coleção.
- Toma para você, fica de lembrança – disse-me
o capataz, em tom de gratidão.
Comovido, aceitei o mimo de bom grado
– e quando ele me esticou a moeda de presente, eu pude observar um fato
curioso: o capataz tinha seis dedos em cada uma das mãos, tal como eu nunca
tinha visto. De cada mindinho, despontava outro, menor ainda, enviesado para
fora. De imediato me veio à memória a
fala do caseiro, que se referiu ao capataz como uma pessoa com mão cheia de
dedos; não resisti a uma última pergunta:
- Você já esteve, por acaso, alguma
vez com Getúlio Vargas?
- O Presidente? Não, nunca estive com
ele. Me lembro que, quando eu ainda era menino, ouvia
histórias de que ele frequentava as Águas Virtuosas. Meu pai chamava ele de pai dos pobres, dizia que tinha
apertado a mão dele. Eu mesmo nunca vi o homem, só de fotografia. Mas por que
me pergunta isso, senhor?
- Por nada, não. Esquece isso, apenas
perguntei por perguntar[1].
.........................
As dívidas do Dr. Assis foram saldadas
com a entrega das terras que restavam, dadas em pagamento aos credores em um
grande acordo judicial. O casarão, para a sorte de Assis Júnior, ficou a salvo.
Grande demais que é, está descuidado, sem a conservação que sua imponência requer.
Assis Júnior trabalhou em uma empresa
da cidade; fez faculdade e morou muitos anos no casarão. Ali foi servido pela camareira,
que se desdobrava para dar conta das rotinas; a filha dela se prestou, desde de
tenra idade, a pequenas e leves tarefas que lhes eram passadas no dia a dia da
casa. Seu rosto, cada vez mais definido, não negava a paternidade do Dr. Assis,
mas sobre isso não se comentava na sociedade local.
O filho que foi para o exterior nunca
mais voltou ao Brasil, nem a passeio. Decerto se comunicou com o irmão, pois
nunca foram inimigos e nem tiveram problemas de relacionamento. A cozinheira faleceu
de ataque cardíaco – e faleceu ainda mais obesa do que nunca: já mal se
aguentava sobre as pernas e nem podia andar.
O capataz amargou bons anos de cadeia
aqui na estância e depois teve que se virar com as pendências em Goiás; para lá
foi levado de camburão. Nunca mais ouvi falar dele; creio não recuperou a alegria de viver.
O meu amigo Guilherme Holders pediu
exoneração da polícia e deu entrada no mundo dos detetives particulares, não
sem antes resolver dois ou três casos que lhe granjearam fama suficiente para
sair do serviço público recebendo placa comemorativa pelos bons serviços
prestados, o que contribuiu para ser bem recebido nas investigações privadas,
de que se ocupou depois.
O Dr. Henrique fixou residência nas
Águas Virtuosas; é advogado criminalista especializado no Tribunal do Júri. O
caseiro continuou pobre.
FIM
[1] Em
O homem que matou Getúlio Vargas, de
Jô Soares, o assassino é um polidáctilo, com seis dedos em cada uma das mãos.
Olá Ézinho. Li agora de uma tirada só os demais capítulos (antes tinha lido os três primeiros). O desenrolar da sua história policial, entremeada de citações de outras famosas e de algumas, presumo, reais, mais que o suspense, evidencia as dúvidas que assaltam um diligente policial em busca da verdade e em luta contra a pressão burocrática que, enfim, anula seus esforços. Mas o desfecho fecha as lacunas e expõe o caráter dos envolvidos. Parabéns! Novas aventuras policiais com o detetive Guilherme virão por aí?
ResponderExcluirCaríssimo Antonio José Coneglian, fico muito agradecido pelas preciosas observações. Deixei alguns ganchos para eventuais narrativas posteriores, se é que vai sobrar algum tempo para isso. Um grande abraço, muita saúde e muita paz.
ExcluirCaríssimo Antonio José Coneglian, fico muito agradecido pelas preciosas observações. Deixei alguns ganchos para eventuais narrativas posteriores, se é que vai sobrar algum tempo para isso. Um grande abraço, muita saúde e muita paz.
ExcluirObrigado, vamos esperar novas aventuras dessa dupla!
ExcluirFIM!! Histórias policiais são intrigantes e você soube permear a sua
ResponderExcluircom nuances que nos deixaram em dúvida sobre quem era o assassino. Cheguei a pensar que poderia ser o filho da vítima rss. Gostei muito! Parabéns!!! Abraço.